Cinema enquanto lembrete histórico
por Barbara DemerovEm seu novo filme, Todd Haynes tem em mãos uma história que tinha tudo para se tornar apenas convencional, digna de entrar no hall de obras biográficas que passam bem o recado, mas não inovam enquanto cinema ou não trazem escolhas estéticas que se sobressaem. Mas, em O Preço da Verdade - Dark Waters, tanto a importante mensagem que o diretor quer passar e as qualidades cinematográficas se destacam juntas.
Boa parte deste triunfo recai no elenco escolhido para mergulhar na história real de intoxicação numa pequena cidade da Virgínia Ocidental, nos EUA. Mark Ruffalo interpreta o advogado Robert Bilott, que passa a lutar frente à frente com a empresa DuPont, responsável por intoxicar rios e desencadear doenças como o câncer em centenas de milhares de americanos. O objeto de estudo para Bilott escancarar o crime (feito de maneira silenciosa por muitos anos) se dá através de um fazendeiro angustiado, que perde cada vez mais seu gado devido ao uso de água tóxica.
Aos poucos, o ceticismo do advogado vai dando lugar a uma força de vontade assustadora, ainda mais diante dos inúmeros anos que se passam sem que o caso seja justificado ou encerrado de forma justa. O filme deixa muito clara a lentidão do caso DuPont com a inserção de blocos que dividem a história a partir de determinado ano, e a exaustão do advogado em vivenciar este processo quase que interminável se estende ao espectador, que vê os anos de 2006, 2007, 2008, e assim por diante, passarem sem a indicação de um final "feliz".
Apesar deste ser um projeto assinado por Todd Haynes, não espere observar o mesmo cuidado estético de Carol, por exemplo. A paleta de cores em O Preço da Verdade é muito mais fria e a fotografia não se preocupa em exagerar na apatia que esta triste história traz. O filme é melancólico do início ao fim - por mais que seja possível vislumbrar um senso de justiça em determinados momentos.
Ruffalo, que é uma figura ativa no cenário ambiental mundial, entrega uma atuação digna e cheia de nuances; quando os problemas pessoais do personagem vão se misturando com os problemas profissionais, é aí que podemos ver seu brilho em tela. Anne Hathaway, na pele da esposa de Bilott, Sarah, possui poucas cenas de destaque, mas sempre se mostra como o principal alicerce do marido. Como ela também é advogada, é uma pena que a personagem não é mais explorada para sair do perfil "mãe e dona de casa".
O Preço da Verdade não é o trabalho mais autoral de Haynes, mas certamente se encaixa como um filme extremamente atual e que conversa diretamente com desastres criados pela ambição e ganância humana, tal como o "acidente" nuclear de Chernobyl, ocorrido em 1986. Mas nem por isso esta é uma produção abaixo da média. O drama é bem articulado, os personagens (especialmente o fazendeiro Wilbur Tennant, interpretado por Bill Camp) são elaborados de forma sensível e humana e a mensagem (muito menos a linguagem do filme) não chega a ser didática em nenhum momento. Mais uma vez o audiovisual ultrapassa a linha do entretenimento para se tornar o emissor de um grave lembrete que fala sobre até onde o homem pode chegar.