O caos e a energia do Mamonas Assassinas em tela
por Diego Souza CarlosNão é de hoje que as cinebiografias tomam conta do imaginário popular quando o assunto são produções nacionais. E o projeto que fecha 2023 está nesse grupo simboliza um período prolífico e apegado às lendas brasileiras. Depois de uma longa espera, e quase trinta anos de um dos momentos mais emblemáticos da nossa música, Mamonas Assassinas - O Filme chega para reverberar um pouco da energia que o grupo transmitia aos fãs.
Desenvolvida inicialmente como uma série de TV, uma coprodução entre a Record, Sony Channel e Total Filme - formato que ainda pode ser executado no futuro -, o projeto se reformulou algumas vezes durante os anos. Chegou a ficar por um tempo arquivado, mas encontrou seu espaço nos cinemas a fim de transmitir os sentimentos de Dinho (Ruy Brissac), Júlio (Robson Lima), Bento (Alberto Hinoto), Sérgio (Rhener Freitas) e Samuel (Adriano Tunes) durante a meteórica existência da banda que fez o Brasil rir, se apaixonar, chorar e sentir uma saudade implacável.
A trama se passa alguns meses antes do grupo se formar até o momento do fatídico acidente que levou a vida dos cinco integrantes. Passada majoritariamente em Guarulhos, durante a década de 1990, acompanhamos cinco garotos que, apesar do pouco dinheiro, cultivavam muitos objetivos. Após um encontro conflitante, transformam a banda Utopia em Mamonas Assassinas, que, através do humor debochado e inteligente, mudou suas vidas para sempre e conquistou o amor de todo o país.
É muito difícil escrever sobre alguém que já se foi, tarefa árdua que muitos jornalistas e biógrafos encaram todos os anos a fim de eternizar personalidades que, de alguma forma, mudaram o mundo. Colocar a trajetória meteórica de uma das bandas que abalou o Brasil, então, é uma tarefa que exige um esforço preciso - principalmente quando se trata de um relato visual sobre cinco jovens que partiram no auge de suas vidas.
A fim de apresentar a energia desta curta jornada, a cinebiografia do Mamonas Assassinas opta por preservar o calor das vozes que impulsionaram festas, horrorizaram conservadores e foram responsáveis por sorrisos em todos os cantos do país. Em seu início, antes de embarcar na história iniciada em Guarulhos, cria-se a liberdade de apresentar retalhos das apresentações da banda, refeitas na ficção, enquanto cada um dos integrantes é brevemente introduzido.
Ao entrar na dramaturgia de fato, encontramos Dinho antes de se aproximar de seus futuros companheiros. Impulsivo e extremamente criativo, ele logo conquista seus novos parceiros e se torna vocalista da banda de rock Utopia. Enquanto tece laços entre todas as pessoas que presenciaram o início de tudo, existe uma tentativa constante em manter a energia alta após uma introdução que privilegia certo caos - em todos os aspectos.
Apesar de se estender através do que provavelmente foram relatos precisos de quem conviveu com os artistas, existem certos tropeços em fugir de ares caricatos quando o assunto é a narrativa de fato, principalmente nas cenas em que se estabelecem vínculos. Durante o filme, existe uma sensação angustiante de que a velocidade dos acontecimentos é descompensada. Enquanto temos um longo caminho até que Utopia se transforme em Mamonas, o momento em que o grupo começa a fazer sucesso se apoia em rápidas passagens.
Fica a impressão de que algum personagem não foi apresentado antes de aparecer em tela ou algo aconteceu de maneira abrupta. Mesmo que a curiosidade para a criação das canções seja levemente saciada, por exemplo, essas revelações soam muito mais como easter-eggs do que peças importantes do disco que veio a vender milhões de cópias em um curto período.
Todas as possibilidades, a partir de uma edição confusa, prejudicam uma história que a todo momento pede por emoção, mas encontra certos obstáculos no caminho impostos pelo próprio roteiro. É como se existissem muitas ideias para contar esse período e no ato de refinar a produção, não houvesse o polimento necessário para retirar trechos que poderiam prejudicar a experiência. O fato de nascer como série e se transformar em filme no meio do caminho pode ser o responsável por essa atmosfera desarranjada.
Em tramas como essas, cheias de amores, romances sempre são importantes desde que sejam bem explorados. Não é um problema mostrar que alguns dos meninos acabaram se afeiçoando a diversas mulheres ao longo da turnê, porém, isso se mostra problemático quando a maioria delas é apresentada de maneira rasa. A escolha em tornar os pares românticos em ilhas melodramáticas, com direito a trilhas sonoras temáticas, também contribui para o ritmo desconcertado.
Embora existam tais questões que dificultam uma imersão completa em Mamonas Assassinas - O Filme, pode-se dizer que o longa consegue capturar muito do que foi este fenômeno quando o grupo está reunido em ação. As sequências que simulam os shows da turnê, talvez, sejam os momentos mais fortes da narrativa.
Em determinado ponto, no ato final, após passar por um dilema sobre o futuro da banda, Dinho faz um discurso poderoso no que seria a última apresentação da vida daqueles jovens que mudaram os rumos da cultura brasileira. Para além da caracterização e das escolhas de elenco, que soam correspondentes aos personagens da vida real, ver a junção destas pessoas no palco em um momento de pura sinergia deve fazer o coração de muitos disparar e as lágrimas brotarem sem medo.
Ainda que uma escolha estética diferente pudesse ter reunido melhor cenas fictícias com registros reais, que são inseridos aqui e ali, é possível sentir quem foram os Mamonas Assassinas. Com certas liberdades criativas, no entanto, este momento de brilho e alta energia que só eles podiam proporcionar se vê enfraquecido quando se pensa no todo. À medida que as demais cenas surgem na tela e os lembretes da montagem inconstante aparecem, mesmo o humor e a nostalgia não conseguem sobrepor recursos que acabam por diminuir a potência do que este filme poderia ser.