Raiz forte
por Taiani MendesPrograma musical mais longevo da televisão brasileira, o Viola, Minha Viola, um dos destaques da TV Cultura, foi por 35 anos apresentado por Inezita Barroso. Era de se esperar do canal, portanto, uma grande homenagem póstuma à artista, e quase quatro anos após sua morte chega ao público Inezita, documentário pouco especial que ao menos faz ecoar o vozeirão potente como trovoada da cantora paulistana, lembrada pelo sucesso "Marvada Pinga".
Documentários biográficos têm uma receita "feijão com arroz" que costuma dar certo, não impressionando, mas cumprindo seu papel informativo e de celebração (ou o oposto): depoimentos de parentes e amigos, imagens de arquivo, datas. Inezita, além das décadas de presença televisiva, gravou vários discos, era violeira, pesquisadora, professora, atriz premiada... Abundância de conteúdo que permite e inspira uma homenagem tão pulsante artisticamente quanto sua vida. Com o manual básico do doc debaixo do braço, o diretor Helio Goldsztejn (Lygia, uma Escritora Brasileira) arrisca algumas "novidades" (já batidas), inserindo dramatização e narração cheia de personalidade, no entanto, a pretensa "atualização" mais atrapalha do que ajuda, denunciando a completa falta de uniformidade da narrativa.
Chega a ser irônico o projeto parecer que seria bem melhor sem os floreios "modernos", pois Inezita era o último bastião da música caipira tradicional na TV, exigindo apresentações acústicas de quem quer que fosse, resguardando a moda de viola no apogeu do sertanejo sem raiz. Mesmo o mais básico, a escolha dos planos, Goldsztejn subverte negativamente, insistindo em aproximações assustadoras dos entrevistados em pleno discurso, como se uma criança tivesse mexido na câmera, e mirando a classificação "documentário de cinema muito contemporâneo" com seu microfone aberto e batida de claquete improvisada.
Dona de vários causos, Inezita estrela histórias sensacionais, além de ter desafiado o machismo em diferentes frentes, firmando a presença feminina na música caipira - tocando viola, sim senhor. Seus carismáticos e impressionantes números musicais são o que de melhor oferece o filme, cujo roteiro faz malabarismo pouco preciso para ao menos mencionar todas as facetas da apresentadora ao longo de nove décadas de vida. Por razões óbvias muito se fala do Viola, Minha Viola, mas estranhamente pouco é mostrado de Inezita no clássico programa que comandou a partir dos anos 80.
Há uma passagem em que a filha de Inezita afirma que ela era uma professora extremamente rígida e uma aluna nega tudo, a descrevendo como amigona, que de certa forma sintetiza este longa-metragem destinado à TV que se equivoca ao compor um retrato disfarçadamente padronizado de uma figura que veio ao mundo derrubar determinadas barreiras de forma muito franca.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.