Tom Noland (interpretado por Liam Neeson, de O Passageiro) é um ex-fuzileiro naval que tornou-se um habilíssimo ladrão de bancos que nunca foi pego. Após seu último roubo, conhece a funcionária de uma firma de estocagens e estudante de pós-graduação em psicologia Annie Wilkins (Kate Walsh, da série The Umbrella Academy) e iniciam um relacionamento. Após um ano juntos, Tom decide parar definitivamente com a vida de roubos e entregar-se ao FBI para que não tenha que mentir mais à Annie e na esperança que, após cumprir a pena, ela aceite viver com ele.
Tom telefona para o FBI, fala com o agente especial Samuel Baker (Robert Patrick, da série Arquivo X) a quem diz que deseja entregar-se e devolver todo o dinheiro roubado nas seguintes condições: pena reduzida em um local próximo à cidade de Boston com direito a visitas. Para confirmar a veracidade da história, Baker envia os agentes subalternos John Nivens (Jai Courtney, de Exterminador do Futuro: Gênesis) e Ramon Hall (Anthony Ramos, de Nasce Uma Estrela) para falar com Tom e este, em um gesto de boa vontade, indica a eles onde está parte do dinheiro. Nivens e Hall decidem ficar com o dinheiro e matar Tom. Porém, Baker aparece, Nivens mata-o e Tom consegue fugir. Agora, o ladrão quer não só provar sua inocência como entregar os agentes corruptos à justiça. Para isso pede ajuda ao agente especial Sean Meyers (Jeffrey Donovan, de J. Edgar).
À medida que assistimos Legado Explosivo ficamos com a mesma opinião de vários personagens quanto à premissa do filme: é difícil acreditar que um ladrão vai entregar-se às autoridades e devolver toda a dinheirama que roubou por causa de amor a uma mulher. Essa mesma premissa seria mais crível se o filme tivesse um diretor melhor que Mark Williams (Um Homem de Família), também autor do roteiro e história junto com Steve Allrich (Família e Honra).
Conhecido mais como produtor e roteirista, Legado Explosivo é apenas o segundo trabalho na direção de Williams e é um trabalho no máximo comum, em que as cenas de ação, que poderiam ser um dos pontos fortes do filme, são apenas banais, não entusiasmam. E a história, que, como dito antes, tem uma premissa dura de engolir, é também cheia de clichês que vão desde um vilão cruel até um cachorrinho engraçadinho para dar um toque de fofura à trama. Até mesmo pretensas críticas ao governo estadunidense e às injustiças do sistema capitalista não convencem muito.
Após o sucesso de A Lista de Schindler (1993), dirigido por Steven Spielberg (A Ponte dos Espiões), o ator norte-irlandês Liam Neeson tornou-se um astro de pleno direito, tendo papéis em produções variadas tais como dramas, romances, comédias e, principalmente nos últimos anos, em filmes de ação. Isso não chega a ser surpreendente pois, com 1,93 m de altura e tendo sido boxeador em sua juventude, Neeson sempre teve boa forma física, o que, aliado ao seu talento de ator, fazia dele a escolha ideal para filmes como Darkman, Vingança Sem Rosto (1990), de Sam Raimi (franquia Homem-Aranha), no papel-título; em Star Wars Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), de George Lucas (o criador da saga), quando interpretou o Mestre Jedi Qui-Gon Jinn; e em Batman Begins (2005), de Christopher Nolan (Tenet), como o vilão Rãs Al-Ghul.
E é Liam Neeson o principal motivo para ver Legado Explosivo, pois ele consegue dar credibilidade ao personagem que interpreta. Foi o prestígio e carisma do ator que fez com que Legado Explosivo fosse líder de bilheteria nas suas duas primeiras semanas após o lançamento.
Entretanto, Neeson corre o risco de tornar-se um Charles Bronson do século 21. Após o sucesso do primeiro filme da franquia Desejo de Matar (1974), Bronson fez durante a década de 1980 e início da década de 1990, filmes muito semelhantes a este, no qual é um justiceiro armado de revólver que sai à caça de marginais sedento para fazer justiça com as próprias mãos (e os marginais fazem por merecerem a morte, no melhor estilo bolsominion-coxinha-olavete). A diferença é que nos filmes de Neeson, seus personagens geralmente somente pegam em armas para autodefesa ou quando não tem outra escolha. São argumentos mais inteligentes, mas a chance de ficar estereotipado com esse tipo de personagem existe.
E, apesar de Neeson sempre procurar manter-se em forma, é possível notar que a idade já começa a pesar nas cenas que exigem mais vigor físico (o ator está atualmente com 68 anos). Mas, isso não é culpa dele, pois a passagem do tempo é algo que, inevitavelmente, acontece com todos nós.
Aos 53 anos, Kate Walsh continua bonita, charmosa e simpática e, com seu talento de atriz, ajuda a dar a já citada credibilidade ao personagem de Neeson assim como ao seu próprio, embora também seja difícil de engolir que uma psicóloga que acaba de formar-se na pós-graduação não consiga perceber algo de estranho com seu namorado. Mas, isso faz parte das bobeadas de Williams.
Robert Patrick, o eterno andróide T-1000 de O Exterminador do Futuro 2 (1991), é utilizado como um coadjuvante de luxo em Legado Explosivo. Patrick – que está com uma aparência bastante envelhecida - é um daqueles casos de um bom ator que é desperdiçado em uma produção cinematográfica. Seu personagem, Sam Baker, sai de cena cedo demais e, na minha opinião, é Baker quem deveria ajudar Tom Noland ao invés Sean Meyers, cujo intérprete, Jeffrey Donovan, atua de modo insosso.
Jai Courtney e Anthony Ramos, nos papéis dos agentes Nivens e Hall, tentam utilizar o tema “bandido bom e bandido mau” para seus personagens, mas, sob a batuta da direção e do roteiro, acaba por não funcionar como deveria.
O compositor musical Mark Isham (Bill & Ted – Encare a Música) é bastante experiente, já compôs trilhas sonoras de vários filmes de sucesso, mas aqui está pouco inspirado, sem nenhum tema que desperte a atenção e fique na memória. Deve ter sido contaminado pelas baboseiras de Mark Williams.
Uma das poucas coisas que salva-se em Legado Explosivo é a boa fotografia de Shelly Johnson (Capitão América, o Primeiro Vingador), que mostra a bonita cidade de Boston, no norte dos EUA, pouco conhecida pelos brasileiros e que vale a pena estes a descobrirem.
Em contrapartida, o título escolhido para a comercialização do filme no Brasil, Legado Explosivo, é, seguindo a tradição no país, simplesmente horroroso. Em Portugal, o título escolhido não foi muito melhor: “Um Último Golpe”. O título original do filme, “Honest Thief”, significa, literalmente, “Ladrão Honesto”, o que tem tudo a ver com a história mostrada. Alguém deve ter explodido a cabeça para bolar esses nomes…
Legado Explosivo vai agradar aos fãs de carteirinha de Liam Neeson, mas pouco mais além deles. Apesar da ação banal e dos clichês, poderia até ter uma boa bilheteria por aqui, mas com a segunda onda da pandemia do Covid-19, é provável que vários cinemas voltem a serem fechados para evitar contaminações. Restam os serviços de streaming, mas, ainda assim, há opções bem melhores que esta.