Elogio da resistência
por Bruno Carmelo“Eu quero ganhar meu pedaço de chão no tapa”, afirma Francisca. A personagem principal deste documentário não é apenas uma figura importante dentro do Movimento dos Sem Terra, mas também um símbolo particular: ela é nordestina, mulher, disposta a participar de passeatas de 17 dias pelo centro do país durante uma gravidez avançada. Francisca é uma resistente, mais do que diversos colegas de movimento. A câmera de Alberto Bellezia decide segui-la ao longo de vários anos, com a certeza de que encontrará não apenas uma figura inspiradora na luta pela reforma agrária, mas também um caso ideal, um exemplo a ser seguido. Mais do que uma personagem, ela é a heroína deste contexto.
Vitória não oculta suas intenções panfletárias. O título faz referência à filha de Francisca, nascida dentro da luta militante, mas obviamente refere-se também ao sucesso esperado do grupo político. O diretor filma a organização como um núcleo orgânico, corajoso, movido essencialmente pela sensação de injustiça e pelo direito à terra. Enquanto a câmera extrai poderosas frases de efeito dos participantes – vide os belos versos improvisados por um repentista - a narração explica, com calma e didatismo, como se organiza o MST e de que modo Bellezia passou a seguir o grupo. A separação em capítulos e o reencontro com Francisca, anos depois das primeiras filmagens, tratam de situar o espectador e garantir um final feliz à história.
O filme carrega um viés informativo e jornalístico, funcionando como contrapeso à mídia tradicional, que insiste em descrever os manifestantes como bandidos ou vagabundos. A disputa pelo lugar de fala é válida, ainda que seja preciso constatar a fragilidade do discurso político. Mesmo claro em suas intenções e linha narrativa, ele se revela desprovido de complexidades sociais: Bellezia não busca compreender as leis nem as propostas dos políticos sobre a reforma agrária, tampouco se debruça sobre as questões econômicas envolvidas, o plantio dos manifestantes, a construção de suas barracas, as divergências internas essenciais para tornar o grupo vivo, dinâmico, realista.
Pelo contrário, privilegia a repetição de conceitos fortes, porém vagos. “Temos a esperança de que vamos vencer”, afirma Francisca diversas vezes, ainda que o documentário não investigue o desgaste psicológico de insistir tantas vezes nesta esperança sem ver resultados concretos. Pela dedicação ao teor político, o filme abandona as pretensões estéticas: as imagens são agenciadas de maneira meramente funcional, incluindo as captações em vídeo de baixa qualidade que ocupam grande parte da narrativa e se sucedem de modo protocolar. Para ornar o conjunto, uma trilha sonora constante chama atenção para si mesma, como se buscasse ocultar as deficiências da imagem.
O melhor aspecto de Vitória se encontra no humanismo do retrato, na empatia com os indivíduos que compõem o MST. No entanto, o resultado beira a retórica do esforço, como se sugerisse que a vitória foi atingida apenas por se ter tentado. A luta seria a sua própria recompensa? Essa é uma ideia amarga de acatar para um grupo em busca de respostas concretas às suas demandas. Ao invés de confrontar Francisca e seus colegas às evidentes derrotas, encontrando os culpados e investigando o sistema que impede a reforma agrária de ser realizada, o filme prefere enaltecer o sofrimento e a vontade de continuar lutando. É um ponto de vista otimista, mas pouco dialético. Há de se questionar se ele bastaria diante de um panorama político, econômico e social tão vasto.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.