Uma prece para os mortos
por Bruno CarmeloEste drama tailandês se constrói em torno da figura da morte. Os dois personagens principais, Pitch (Anuchit Sapanpong) e Shane (Sukollawat Kanarot), acabam e perder um ente querido - a mãe, para o primeiro, e a filha, para o segundo. Pitch sofre com câncer em fase terminal, e dedica seus últimos dias a fazer arranjos de flores extremamente complexos, os Baisri, cuja característica principal é o fato de murcharem e morrerem logo. Malila aborda a efemeridade dos corpos em relação à perenidade do espírito, sugerindo que nenhuma fatalidade é capaz de separar duas pessoas que se amam.
Para uma história marcada por temas grandiosos como o amor eterno, o destino e a ressurreição, o filme se mostra surpreendentemente desafetado. Os protagonistas discutem doenças graves e torturas como quem diz banalidades. Uma alusão discreta ao autoritarismo do governo pode passar despercebida. Nas imagens, os dias são sempre nublados, com uma fotografia desbotada, paisagens abandonadas e mal cuidadas, enquadramento abertos em planos de conjunto para mergulhar a dupla no verde das folhas. Diluindo as noções de tempo e espaço - é difícil saber onde exatamente se encontram, e o quanto dura o idílio amoroso -, os dois homens perambulam em cenários intercambiáveis de árvores, arbustos e riachos, ao som de pássaros e cigarras.
A diretora transexual Anucha Boonyawatana privilegia a placidez do conjunto, forçando um tom indiferente nas atuações, mesmo quando os personagens se deparam com algum elemento violento. A narrativa parece adotar as lições de vida de Shane que, convertido em monge, precisa aprender a disciplina, a controlar suas emoções, a se desprender do espetáculo e dos prazeres. Entre os poucos diálogos encontra-se uma conversa sobre quantas colheres de arroz foram ingeridas durante uma refeição, e outra sobre a melhor hora para se levantar de manhã - “quando você começa a ver as linhas na palma da sua mão”. O filme supervaloriza o trivial ao limite da caricatura, beirando o fetiche do orientalismo para ocidentais, com suas trilhas melodramáticas e repetição de cenas da floresta.
Mesmo assim, Malila constrói uma singular história de amor entre dois homens que lutam para superar a morte iminente através do natural (os arranjos de flores) ou do sobrenatural (as preces do monge). Após um início excessivamente casto entre os protagonistas, a cineasta apresenta belas cenas de afeto e sexo, utilizando muito bem as sombras para revelar apenas contornos dos corpos e a textura das peles. De modo geral, a fotografia se sai melhor no trabalho com baixas luzes do que na luz do sol - e felizmente existem mais momentos noturnos do que diurnos. A montagem pode não imprimir um ritmo particularmente empolgante, mas revela-se coesa, consciente do efeito que deseja provocar. Em nenhum momento a trama acelera ou diminui em relação ao olhar contemplativo adotado desde a primeira cena.
O filme deve soar hermético demais para a maior parte do público - mesmo em festivais LGBT, aos quais naturalmente se destinaria -, no entanto, contribui a diversificar a cinema tailandês exibido nas telas brasileiras. A placidez com que Boonyawatana filma um cadáver corroído por vermes não se parece em nada com o realismo fantástico de Apichatpong Weerasethakul, o nome mais conhecido do país. Além disso, o despojamento com que a diretora filma relacionamentos entre dois homens, sem precisar transformar a homossexualidade num tema, constitui um fator louvável na representação da homoafetividade no cinema.