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    As Quatro Irmãs
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    As Quatro Irmãs

    A memória é ficção

    por Bruno Carmelo

    “É sério que vocês iam à igreja logo após o baile de Carnaval? Eu nunca fiz isso”, diz Vera Holtz. “Mas é claro que fez!”, corrigem as irmãs, sentadas ao redor da mesa. A grande atriz está perdendo a memória - algo ainda mais grave devido à sua profissão, como ela mesma sublinha. Por isso, em conjunto com o cineasta Evaldo Mocarzel, criam uma espécie de documento artístico sobre a sua infância em Tatuí, no interior de São Paulo, junto das irmãs, da mãe carinhosa e do pai autoritário. O cinema é utilizado ao mesmo tempo como documento e como diário, ou seja, como fato e como afeto.

    O elemento capaz de materializar os sentimentos é o casarão dos Holtz, filmado pelo cineasta como um espaço fantasma. A câmera passeia pelos cômodos vazios, registra espectros dos corpos das mulheres pelos corredores, inclui ruídos externos que não coincidem com as imagens. Entramos no domínio da representação pela ausência: as fotografias dos pais são projetadas na casa, enquanto Vera Holtz interage com esta espécie de holograma. Em outros momentos, a atriz interpreta um texto escrito sobre sua vida e a personalidade de cada irmã. Sabemos, pelos risos gravados no som, que Regina, Teresa e Rosa estão ao lado de Vera, porém não são vistas em tela. A constante dissociação entre som e imagem permite que as vozes ausentes se projetem em espaços igualmente ausentes. Com ajuda da montagem fragmentada e brusca, o filme se despe da necessidade de construir uma linearidade.

    As Quatro Irmãs consegue combinar documentário e videoarte: se por um lado a textura das cenas transparece uma produção simples, quase caseira, por outro lado as imagens da protagonista pintando os pés de vermelho, caminhando sobre as ondas do mar ou entoando trechos do passado em estilos de atuação diferentes remetem à performance. As quatro mulheres ocupam o casarão de maneira artística, revestindo o espaço de significado, ao invés de resgatarem ou recriarem algo existente no passado. Mais interessado em sensações do que verdades, Mocarzel trabalha no registro da construção e da desconstrução, ao invés da apreensão do mundo.

    Neste sentido, o resultado torna-se instigante pelo vigor juvenil com que alterna uma infinidade de recursos poéticos, que vão desde a sobreposição dos quatro rostos ao posicionamento das irmãs em quatro janelas paralelas, de modo bastante artificial, como se posassem para uma foto. Tudo é permitido nesta espécie de brainstorming imagético, incluindo uma atriz profissional e três não profissionais dispostas a embarcar em qualquer desafio ou exercício proposto, desde os rostos se virando para a câmera num close-up dramático até momentos menos expressivos, porque excessivamente literais, como Holtz sussurrando “mamãe” e “papai” dentro de casa.

    Este consegue ser um dos raros projetos biográficos no qual o dispositivo importam mais do que o tema abordado. Surpreendentemente coeso para uma narrativa de tantas alternâncias, ele talvez incomode por algumas repetições - mas em se tratando de memória, a repetição seria fundamental, não? O teor da narrativa transparece leveza e bom humor, mesmo quando são evocadas lembranças traumáticas. Existe evidente distanciamento dos fatos, e um tom de proteção suscitado pela reunião das irmãs. Holtz e Mocarzel dividem a autoria desta criação que deve tanto ao passado da atriz quanto às elaborações intelectualizadas do cineasta, passando por momentos despojados - os risos, as anedotas - e pretensiosos - as citações a filmes como Monika e o Desejo e Acossado. Em As Quatro Irmãs, Vera, Regina, Teresa e Rosa não são um fim, e sim um meio.

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