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    Amanhã Chegou
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Amanhã Chegou

    Sustentável

    por João Vítor Figueira

    Uma de nossas maldições enquanto nação é ser para sempre "o país do futuro" — isso sem contar com quando, de tempos em tempos, a máxima de Millôr Fernandes sobre o Brasil ter "um enorme passado pela frente" se torna tristemente relevante. Propondo respostas para alguns dos muitos desafios que o país enfrenta, o documentário Amanhã Chegou traz para o presente a pauta do desenvolvimento sustentável. O longa-metragem de estreia da diretora Renata Simões é altamente propositivo, o que é gratificante especialmente quando se considera que o filme chega ao circuito comercial de salas de cinema durante a campanha política presidencial. O formato, entretanto, não favorece tanto o projeto, assim como a escolha por uma estética mais televisiva do que cinematográfica.

    Mudanças climáticas, consumo desenfreado, tragédias ambientais, capitalismo selvagem, crise de valores e o mal-estar do homem moderno são alguns dos temas tomados como pontos de partida para uma vasta gama de depoimentos que discutem novas maneiras de produzir e consumir de maneira sustentável no país. Do depoimento de um psicanalista, que trata das pulsões do desejo, até uma visão sociológica sobre nossas necessidades subjetivas, passando por inferências de poetas, jornalistas, engenheiros e economistas, Amanhã Chegou compõe uma miríade de vozes que parecem concordar, quase que em uníssono, mas em diferentes timbres, com uma mesma visão. São muitas tiradas de peso, como as do poeta Sérgio Vaz, que se aglutinam ao longo de 74 minutos. Com isso, há, sim ótimos argumentos na defesa de um mundo de consumo consciente e desenvolvimento sustentável — mas também sobram aforismos mastigados e pouco espaço para respiro e contemplação.

    A direção é urgente como uma a de reportagem de poucos minutos e cortes curtos e as tomadas da natureza evidenciam as belezas naturais do Brasil como os cartões postais ameaçados que são. São compreensíveis as escolhas, mas elas acabam conferindo ao projeto o ar de algo que parece mais adequado à programação da Globo News do que a grade de um cinema. O excesso de canções e de uma trilha sonora instrumental insistente — por mais que utilize o repertório de bons artistas como Siba, Cidadão Instigado, B Negão e Luiza Maita — também deixa o filme mais perto de uma campanha de marketing, especialmente quando isso se alia com escolhas estéticas duvidosas.

    Enquanto cinema, os acertos são a pluralidade e os diferentes contextos nos quais os depoimentos são filmados, indo de acordo com a fala e perfil e de cada entrevistado, incluindo uma vazia cobertura de edifício e uma curva da famosa ponte estaiada de São Paulo.

    Quando enfatiza iniciativas sustentáveis no interior da Amazônia, Simões toma a acertada escolha de dar voz aos residentes daquelas comunidades com o mesmo respeito que trata os demais intelectuais do filme, o que democratiza o discurso e o complexifica. Um exemplo disso é a fala de um trabalhador extrativista que trabalha de modo sustentável mas trata com ar de desimportância do status de "protetor da floresta" e expressa que receber uma remuneração digna é mais importante do que ser visto como herói.

    A mensagem em relação ao capitalismo desenfreado parece ser um tanto ambígua em alguns momentos, especialmente quando frases como "sustentabilidade é uma questão de negócios, não é uma questão de plantinha, de meio ambiente" são oferecidas sem que fique claro se tratar de crítica ou endosso. Por outras vezes, são interessantes os insights sobre consumo responsável e sobre como a cobrança deve ser maior na indústria do que no consumidor final. Por fim, Amanhã Chegou ao menos é capaz de iniciar uma série de conversas importantes, mesmo que nem sempre a forma faça jus ao conteúdo.

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