A mulher empregada
por Bruno CarmeloNa primeira cena deste drama, Orna (Liron Ben-Shlush) está procurando um novo emprego para melhorar a renda da família. Na última cena, ela resolve pendências ligadas a vínculos empregatícios. Não Mexe com Ela insiste em acompanhar a jornada desta mulher pelo foco único do mercado de trabalho. Ela possui filhos e um marido compreensivo, além de uma mãe idosa, mas eles são deixados em segundo plano para que a narrativa investigue as pressões específicas exercidas sobre as mulheres, de natureza muito mais perversa do que aquela exercida sobre os homens. Invertem-se os papéis: depois de tantos filmes em que as atrizes são reduzidas ao papel de “esposa do herói”, desta vez é Ofer (Oshri Cohen) que se torna coadjuvante dos conflitos da esposa.
A diretora Michal Aviad tampouco se preocupa em introduzir discretamente a questão do assédio sexual no local de trabalho: a conduta inapropriada do chefe Benny (Menashe Noy) ocorre desde os primeiros encontros com a nova funcionária. A decisão de atacar o conflito rapidamente parece pouco orgânica, mas permite que a gradação do assédio seja demonstrada em detalhes. O roteiro trata de esmiuçar a pressão psicológica envolvida numa relação de poder: Benny jamais é visto como um homem puramente perverso, apenas um empresário poderoso que julga o cortejo “natural”, incontrolável, devido à beleza dela. “Olha o que você me fez fazer”, ele acusa. Após cada comportamento abusivo, ele pede desculpas, recompensa a funcionária, faz mil elogios. Depois parte para a conquista novamente, e decide ajudar financeiramente o marido dela. Depois força um beijo, mas oferece uma promoção.
Cria-se aos poucos uma rede de dependência da qual Orna tem dificuldades de sair. Para quem observa de fora, Benny representa o patrão dos sonhos, um homem gentil que sabe reconhecer o mérito da ótima funcionária. Já a protagonista transita entre diferentes fases da violência psicológica: o sentimento de culpa (acreditando ter sido ela quem permitiu o comportamento dele), o medo de não ser acreditada, de perder o marido, de abrir mão de uma estabilidade financeira por algo que, afinal, parece mais comum do que ela pensava. Não Mexa com Ela (título explícito demais em comparação ao original, “Uma mulher trabalhadora”) constrói uma certeira e repleta de nuances, nos quais os próximos passos soam tão verossímeis quanto inesperados. Sabemos que a relação tende a se degradar, mas não em qual velocidade ou de que maneira. Mesmo assim, esta é a crônica de uma violência anunciada.
O principal mérito do projeto se encontra no trabalho com ambiguidades. Liron Ben-Shlush é uma atriz sutil, capaz de transitar entre a força e a fragilidade na mesma cena, deixando claro o seu incômodo em momentos destituídos de diálogos. Os principais papéis masculinos também recaem a bons atores, dotados de um texto que evita os maniqueísmos fáceis. A direção de arte e a montagem ágil fazem questão de ressaltar a verossimilhança da vida de classe média, com as roupas e penteados elegantes do local de trabalho contrastando com o estilo despojado e sobrecarregado em casa. De acordo com a direção, o lar se transforma no local onde Orna pode ser quem é, enquanto o escritório frio se transforma no terreno das falsas aparências. Além disso, a diretora demonstra generosidade em sua comunicação com o espectador: muitos olhares desejantes do patrão à funcionária são vistos apenas pelo espectador, que testemunha o abuso na mesma posição de indignação e impotência da própria Orna.
A eficiência do realismo é lentamente prejudicada pela cartilha do “filme de personagem”, no qual a câmera se limita a acompanhar a personagem onde quer que vá, filmando-a à altura do torso e do rosto por entre cômodos da casa ou salas de reunião. Haveria maneiras mais expressivas e variadas de registrar os espaços e o trauma da personagem via enquadramento, mas Aviad permanece discreta, condicionando o trabalho de câmera ao corpo da atriz. O roteiro também se ressente de uma expansão do tema, que poderia facilmente se associar a outros casos de subjugação da mulher ou outras relações de poder (masculino ou financeiro) que pudessem aumentar o alcance político da obra. Mesmo assim, fiel ao seu tema específico e à sua personagem exemplar, a cineasta entrega uma bela obra militante, dotada de humanismo e empatia – vide o peso simbólico da cena final, em que a personagem, enfim, respira.