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    Os Indesejados da Europa
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Os Indesejados da Europa

    A longa travessia de Walter Benjamin

    por Bruno Carmelo

    Entre 1939 e 1940, milhares de pessoas tentaram fugir da França ocupada pelos nazistas rumo à Espanha, através de trilhas nos Pirineus. Entre elas se encontrava Walter Benjamin, filósofo alemão autor de textos importantes como “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica” (1936) e “Teses Sobre o Conceito de História” (1940). Vestido com seu paletó formal, grudado à maleta repleta de seus trabalhos, ele caminhou durante dias pelos caminhos rochosos, temendo a chegada dos soldados e a possível prisão. Perdeu-se então do grupo, não conseguiu mais caminhar, e morreu no caminho. De acordo com algumas teorias, teria cometido suicídio.

    O drama de Fabrizio Ferraro imagina esta jornada, não pelo ponto de vista histórico ou social, e sim pela noção de esforço físico associado à travessia. Durante 80% da projeção, a câmera acompanha Walter Benjamin (Euplemio Macrì) de costas, andando, junto de uma senhora e seu filho pequeno. A travessia é também aquela da câmera e, por extensão, do espectador. Mesmo a caminhada sobre um estreito pedaço de madeira, para cruzar um riacho, é reproduzida pelo diretor de fotografia. O cansaço, a repetição, o medo de se perder são tratados como uma aventura solitária, silenciosa. Os rumos são tão lineares quanto esparsos: o protagonista se move, caminha, mas jamais temos a impressão de que se aproxima do destino final.

    Os momentos são entrecortados por breves comentários do filósofo a respeito da constituição da Europa e da sensação de terem chegado a um ponto de ruptura em meio à Segunda Guerra Mundial: “Se temos certeza disto, então não é um ponto de ruptura”, insiste, aproximando-se da ideia de que jamais temos plena consciência da própria época em que nos encontramos, pela impossibilidade do distanciamento necessário à análise. A vertente reflexiva em oposição à morte iminente provoca um efeito interessante, como se as ideias fossem o testamento deste homem à História. Infelizmente, a narrativa jamais envereda por completo pelas noções filosóficas de Benjamin.

    O cineasta prefere se focar no ato de caminhar, da maneira mais plácida e anticlimática possível. Jamais conhecemos os confrontos psicológicos dos personagens, nem temos real impressão de perigo: nenhum soldado aparece ao horizonte, ninguém se esconde ao longo da caminhada. A fuga desesperada, que culminaria na morte do filósofo, poderia se confundir com um longo passeio do homem calado. A estética contribui a essa sensação, devido ao uso do preto e branco pouco contrastado, muitas vezes subexposto, dos cortes abruptos na montagem, suspendendo as cenas em pleno desenvolvimento, e da incomunicabilidade. Benjamin transforma-se num corpo em movimento, um anônimo em deambulação por entre a natureza.

    O esvaziamento do contexto histórico e político representa ao mesmo tempo a maior ousadia e o ponto mais questionável de Os Indesejados da Europa. O resultado é plasticamente coerente, e instigante pela dilatação temporal, mas incomoda ao retirar das pessoas sua humanidade, suas particularidades, suas histórias de vida. O título sugere uma denúncia humanista que jamais faz parte da narrativa: o próprio roteiro despreza estas pessoas, ignorando seu destino, os perigos dos quais fugiram, construindo apenas uma antessala para a morte inevitável. Com seus letreiros informativos e apoio em fatos históricos, o projeto sugere um escopo crítico, mas acaba se limitando ao prazer da construção imagética – o único elemento que se desenvolve verdadeiramente ao longo da projeção.

    Filme visto no 18º Festival Indie, em setembro de 2018.

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