Esse novo Candyman apresenta uma apropriação interessante de elementos de seu antecessor, abordando aspectos dialéticos já presentes no filme de 1992, mas aqui buscando explorá-los em situações muito próprias dos tempos atuais. Há o conflito entre uma intelectualização, bem representada na emancipação social de personagens que cresceram numa realidade periférica, e a memória histórica de uma comunidade. É através desse conflito que o filme busca inserir a presença mística de Candyman, aproveitando-se do cinismo intelectualizado daqueles que renegam memórias culturais urbanas.
O primeiro Candyman trabalhava com o horror através de uma progressiva deterioração da visão distanciada da pesquisadora branca e intelectual, como que sugada para dentro de um turbilhão de tragédias violentas históricas da comunidade Cabrini-Green. Aqui, esse intelectualismo está presente também nos personagens negros, numa ideia contemporânea de sociedade mais permeável no sentido de oportunidades de ascensão social. Contudo, seus passados não morrem na medida em que sua situação econômica e intelectual melhora. A presença mística de Candyman funciona, essencialmente, como lembrete disso.
É uma proposta ambiciosa, pois trabalha nessas ambiguidades, ao passo que utiliza referenciais do Candyman anterior para ressignificar certos conceitos. Na minha visão, o filme acaba falhando ao lidar com isso, especialmente porque articula vários aspectos que preparam para um terror explícito, ao mesmo tempo que tenta ser um thriller psicológico nessa descoberta do protagonista, sem conseguir atingir alguma unidade clara.
O principal problema acaba sendo essa manifestação do sobrenatural em si. Existe um distanciamento cênico nas cenas mais violentas que soa bastante prejudicial ao longa, diluindo um trabalho muito bem feito de preparação para essas aparições. De certa forma, existe uma inversão da frontalidade sugerida para um estado mais contemplativo do místico, o que desperdiça muito da construção visual preliminar.
O modo como se dá a primeira revelação de Candyman no assassinato da galeria é até promissor, na exploração muito clássica de slashers ao dedicar parte da sua brutalidade na morte de personagens em que o filme não mostra grande simpatia. Funciona bem dentro da ideia de purgação possível no cinema de gênero, mas não carrega consistentemente essa articulação ao longo do filme. O restante das aparições de Candyman é carregado de distanciamento pseudo-psicológico e sugestões vazias.
Muitas vezes, no cinema de gênero, não mostrar algo é eficaz em um prolongamento da tensão, na construção de uma atmosfera de ansiedade perante as revelações. Aqui, a câmera se afasta do prédio da crítica de arte para mostrar, numa distância segura e com sugestões sonoras, o assassinato, ou apenas sugere isso, através do sangue e da perspectiva de uma personagem seguramente separada do que acontece (como na cena do banheiro da escola ou na final, dentro da viatura). Essa decupagem advoga um estado contemplativo, distanciado, que não constrói tensão alguma, apenas esvazia aquilo que foi desenvolvido de antemão. Um recurso que não deixa de ser contemporâneo de um cinema que busca temáticas próprias do gênero, mas continua num lugar muito seguro de violência controlada, de certa forma uma busca por sobriedade que renega muito da frontalidade potencial de seus acontecimentos.
Isso soa ainda mais como um desbarato quando a Nia DaCosta sabe preparar muito bem a tensão das cenas, com movimentos de câmera e planos abertos muito significativos. O filme até utiliza bem o formato de janela para retratar a imensidão opressiva de alguns cenários, como se a arquitetura daquele local, marcada pelas mudanças, emanasse uma perturbação ao protagonista.
O próprio uso de símbolos, muito recorrentes do primeiro filme, como as pichações, os espelhos e os buracos na parede, são bem aproveitados aqui numa estética contemporânea. Não parecem referências oportunistas, mas sim integradas a um universo bem característico destes personagens, na qual a lembrança de um passado violento é, em vão, sufocada. Toda essa construção visual funciona bem para um tensão progressiva que, infelizmente, é mal resolvida pela diretora.
As duas cenas na qual o protagonista mostra sua obra de arte, primeiro para sua namorada, depois para a crítica, abordam alguns aspectos que acabam ressoando ao longo do filme. Em ambas as sequências, Anthony ouve que seu quadro é demasiadamente literal, uma abordagem didática da violência. Ele ainda insiste, na cena com sua namorada, em saber como o quadro a impactou, como que tentando deslocá-la da intepretação intelectualizada de seus significados. E na realidade, todo o filme de DaCosta parece buscar essa não-literalidade dos significados. Nesse sentido, não me parece um filme didático. Alguns recursos, como as elipses temporais e uma certa sublimação do realismo das situações trabalham bem na desconstrução de retóricas simplistas.
Ainda assim, nessa busca pela ambiguidade, em detrimento de um didatismo conteudista, a diretora parece abrir mão também daquilo que seu protagonista mais busca com suas obras: a frontalidade da imagem, a forma como propulsora de sentimentos. Ficamos apenas com a sensação do que é iminente, seja na deterioração física de Anthony, ou na atitude cínica, porém intimamente curiosa daqueles que morrem.
Eis então, quando surge Candyman, a decepção. Parece que o filme, no medo constante de ser demasiadamente retórico, não consegue arriscar formalmente. Não existe o entendimento de que, quando a imagem em movimento consegue chocar pelo que ela é, a necessidade de significados literais já fica em segundo plano. DaCosta entende que não é necessário explicar para o espectador o que sua obra significa, porém, reduzir isso a um distanciamento daquilo que se desenvolve ao longo do filme como o mais interessante, esterilizar seu horror em prol de uma sobriedade apenas desnecessária, não é, pelo menos para o que o filme se propõe, o caminho mais eficaz.
Com isso, Candyman acaba sobrevivendo pela sua composição preparatória. Essa tensão que emana na sugestão de algo maior a ser desenvolvido a tela, tamanha a dedicação da diretora na fabricação de expectativas. Algo que, infelizmente, não consegue ser concretizado.