A Grande Dama do Cinema está para a sétima arte como o “minestrone” está para a culinária: tem muito sabor e uma miscelânea de ingredientes, com resultado que espelha a maestria do cozinheiro. Isto porque o novo filme do diretor e roteirista Juan José Campanella, pode ser observado por diversas perspectivas, dá margem à inúmeras interpretações e mescla elementos de vários gêneros dramatúrgicos, sem prejuízo de nenhum deles. Isto torna difícil a tarefa de escrever sobre ele, mas não pode mascarar a delícia que é assisti-lo. Divertido, inteligente, mordaz e com uma produção impecável, pleno de ironias e sarcasmos, referências e acima de tudo uma indelével homenagem ao trabalho dos atores, dada a qualidade do elenco e o brilhantismo das atuações. As metáforas são inúmeras e sob certo aspecto parecem também retratar uma crítica à própria situação atual da Argentina, debruçada nostálgica sobre um passado tão em “ruínas” quanto a casa que abriga as personagens e é palco da disputa que constitui o cerne dramatúrgico do filme, mas que é defendida à ferro e fogo por aqueles que reconhecem sua importância e nela viveram suas glórias. A onipresença de uma premiação internacional também brinca com o passado do próprio diretor/roteirista que recebeu o Oscar de melhor filme em língua estrangeira por O Segredo de Seus Olhos. E os elementos de um filme policial também transparecem como caros ao autor. No transcorrer da trama, fica visível o recurso da metalinguagem, na arquitetura estabelecida para o desfecho, utilizando roteirista, diretor e atores para atingir o objetivo de manutenção do status quo das personagens. Hilariante nos diálogos e cenas em que os habitantes da casa interagem e nas confrontações da protagonista com o presente, o filme é soberbo em proporcionar reflexões sobre a vaidade, a malícia, a amizade, a cumplicidade e o amor e possui um arcabouço que remete a uma opereta bufa. Possui elementos cenográficos, figurinos, fotografia e trilha sonora que reiteram o cuidado da produção e estão plenamente inseridos no contexto proposto pelo roteiro. A atuação de Graciela Borges (a diva Mara Ordaz) é riquíssima e uma tessitura impressionante, trafegando de forma magnífica tanto na comédia quanto no drama e é o ponto alto do filme neste quesito, porém sem mascarar os desempenhos de atores do calibre de Oscar Martinez, Luis Brandoni e Marcos Mundstock que brilham em seus suportes e reiteram a intenção declarado do autor de homenagear grandes atores e afirmar que sem eles um filme torna-se pálido e despropositado. Na ala jovem do elenco, Clara Lago e Nicolás Francela estão ótimos e envolventes, segurando com galhardia o antagonismo e a vilania que temperam este excelente e imperdível filme que reforça a tradição argentina em nos brindar com cinema de altíssima qualidade.