O senador Porfírio Diaz (Paulo Autran) detesta seu povo e pretende tornar-se imperador de El Dorado, um país localizado na América do Sul. Porém existem diversos homens que querem este poder, que resolvem enfrentá-lo. Enquanto isso, o poeta e jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), ao perceber as reais intenções de Diaz, muda de lado, abandonando seu antigo protetor.
Terra em Transe é uma obra que data do ano de 1967, dirigida por Glauber Rocha, e considerada como uma das grandes produções do cinema nacional. Trata-se do auge do Cinema Novo, movimento cinematográfico ocorrido no Brasil, do qual o roteiro reflete em inúmeras alegorias sócio-políticas relacionadas ao contexto da época. Isto é notável principalmente nos diálogos, rebuscados e com grande carga crítica, mas também, são ainda mais perceptíveis nos incessantes voice overs, que floreiam o enredo lhe dando ares filosóficos e possuindo opiniões contundentes escondidas dentro de sua subliminaridade, ainda que alguns momentos possam soar auto-indulgentes.
A narrativa é ousada, iniciando-se com o uso de muitas alegorias, algo que dificulta, a princípio, o entendimento, porém sem demora a trama deslancha, e com isso, o diretor demonstra todo o seu domínio sobre tal, apresentando muitas camadas em seus personagens e diversos pontos de vista. Em determinado momento, o longa-metragem passa a contar sua história através de flashbacks, provando, mais uma vez, a total sapiência de Rocha para com a sua obra.
No entanto, seus méritos não se limitam a isto, ele ainda denota ótimo controle sobre a câmera, buscando sempre angulações perspicazes e movimentos inesperados. Sua direção emprega muita energia, promovendo certo senso de urgência ao filme, o que é enfatizado pela trilha sonora hiperativa e diversificada, possuindo canções folclóricas, batidas nervosas de jazz, e também música clássica, retratando a efervescência cultural da segunda metade dos anos 60’s.
A produção, mesmo limitada, conseguiu dar vida a El Dorado, fazendo parecer uma nação de terceiro mundo contrastando natureza selvagem com a arquitetura imperialista, o que agrega muita personalidade ao país retratado. Mesmo com seus valores imagéticos, o longa possui problemas com grande parte da mixagem de som, que é precária, principalmente no que se refere à sincronização das falas com o movimento da boca dos atores, mesmo Glauber Rocha utilizando bastantes planos abertos para tentar disfarçar a situação e tornar isto menos evidente.
Por outro lado o elenco é espetacular, todos os atores estão completamente à vontade em seus personagens e também estão muito bem dirigidos. Com destaque para Jardel Filho que transmite de seu personagem dilemas, incertezas, e constante conflito consigo mesmo. Também há de se destacar Paulo Autran e José Lewgoy, que dão vida a políticos detestáveis em suas características distintas, e também a atriz Glauce Rocha, que é uma espécie de bússula moral para Paulo Martins.
Terra em Transe é uma jóia do cinema nacional, frenético, enérgico e insinuante, apresenta não apenas um amontoado de alegoria sócio-política, mas também constrói um cenário próprio como forma de crítica e opinião, valendo-se pela sua qualidade e legado, tornando-se uma obra que mesmo com dificuldades técnicas, é grandiosa e atemporal.