Estética do caos
por Bruno CarmeloPoliciais entram numa ocupação, atiram, jogam bombas. As câmeras de celular dos habitantes, com suas imagens tremidas, captam a ação. Gritos ecoam por todos os lados, pessoas correm. Dentro de casa, um bebê chora, e a mãe dele reza a Deus. O ataque poderia descrever uma série de casos recentes na prática policial brasileira, no entanto, referem-se à invasão do Parque Oeste, na cidade de Goiânia em 2005, quando moradores foram retirados à força de suas residências, apesar da promessa em contrário do governador Marconi Perillo. As casas foram derrubadas, duas pessoas foram mortas e outras ficaram feridas. Os policiais militares responsáveis pelos fatos foram inocentados pela justiça de Goiás.
O documentário da diretora Fabiana Assis parte de um cenário de desolação. Sua personagem principal, Eronilde Nascimento, caminha por um terreno abandonado onde costumavam ficar a sua moradia e a de seus vizinhos. O filme investe numa representação pela ausência, com a voz descrevendo uma configuração social que não podemos mais ver. Parque Oeste oferece-se ao espectador como um filme-denúncia, um grito de alerta sobre as violações de direitos humanos, as falsas promessas eleitorais e o diferente tratamento recebido pelas classes médias e altas e por aquelas menos favorecidas, não apenas em Goiás, mas no país inteiro.
Ao privilegiar a urgência do discurso, a cineasta posiciona o conteúdo acima da forma, transformando o cinema numa arma útil, militante. Por consequência, a linguagem cinematográfica é negligenciada: além de depender excessivamente de imagens caseiras de baixa resolução para registrar a invasão policial, a câmera se perde nos enquadramentos, hesita entre filmar um rosto ou um artigo de jornal, registra sua protagonista de costas enquanto esta fornece informações importantes. Conversas políticas de Eronilde com os amigos e vizinhos, certamente estimuladas pela presença da câmera, soam artificiais: a imagem posiciona-se a poucos passos dos personagens, que conversam com a pretensa naturalidade de quem ignora a presença do dispositivo fílmico ao lado.
A escolha de uma única protagonista também pode ser questionada: embora esta mulher seja eloquente, de presença e discurso fortes, sua experiência seria melhor representada pelo coral de vozes do Parque Oeste. Por que as impressões da personagem seriam ilustrativas daquelas dos demais habitantes? Por que não recorrer a documentos, discursos oficiais e materiais de arquivo para corroborar o discurso político? Em meio à importante, porém ampla denúncia, o resultado corre o risco de perder o foco: a conquista de novas residências no Real Grandeza é pouco explicada, o assassinato de Pedro, namorado da protagonista, ganha contextualização superficial, e mesmo as prioridades de Eronilde tornam-se difusas: ela pretende ser reparada por seus danos, impedir novos abusos policiais, conscientizar os demais? Em que consiste exatamente a sua ação militante no bairro?
Por fim, as vontades de Parque Oeste são claras, assim como seu posicionamento político. Não restam dúvidas quanto ao abuso de poder e à violência sofrida pelos moradores da região. No entanto, a importante contextualização política é trocada por recursos de fácil acesso – a trilha sonora de suspense, as propagandas irônicas de conjuntos habitacionais de luxo, a câmera lenta diante do bebê que chora com o barulho dos tiros. Quando o discurso abre mão do diálogo racional e parte para a emoção, o filme se fragiliza. No entanto, como o veículo de informação que pretende ser, cumpre seus objetivos.
Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.