O amor em tempos de exílio
por Bruno CarmeloOs conflitos políticos entre a China e os vizinhos Taiwan e Hong Kong são abordados nesta trama desde as primeiras cenas, através dos diálogos. “É difícil trabalhar num país sem direitos civis”, explica Yang Shu (Zhe Gong), cineasta chinesa exilada em Hong Kong devido aos filmes de oposição ao governo. Por meio desta personagem e de sua família próxima, o roteiro demonstra as dificuldades de deslocamento, os formulários e vistos necessários, a censura sofrida pela artista, a impossibilidade de retornar ao próprio país.
A política é apresentada de maneira bastante convencional. Este é o aspecto mais curioso de A Viagem da Família: a defesa do cinema subversivo e provocador dentro de uma obra gentil, linear. A protagonista é uma mulher rebelde, que questiona a corrupção do governo, a desapropriação das casas para a construção de rodovias, a censura na Internet. Mas o discurso dela é contraposto ao da mãe idosa, que prefere não enfrentar os poderosos por desacreditar na possibilidade de mudança, e do marido, um sujeito conciliador cujo objetivo é aparar arestas e concordar com todos. O roteiro não toma partido, sugerindo que estas vozes se equivalem.
Na verdade, o que importa para o diretor Liang Ying são os afetos. O filme questiona menos a censura à cineasta do que a dificuldade da mesma em encontrar a sua mãe e a proibição de visitar o túmulo do pai. A política nacional é representada pelos embates entre três personagens – ou quatro, se contarmos a criança pequena. O cineasta jamais aponta nomes, investiga a origem desta configuração política, nem sugere transformações futuras. Permanecemos no nível da constatação: a censura existe, a perseguição aos artistas também. Por isso, famílias são separadas e obrigadas a se encontrar de modo escondido em Taiwan, para não despertarem suspeitas.
Esteticamente, o resultado é discreto, porém funcional. As imagens seguem uma cartilha naturalista, com eventuais close-ups entrecortados por muitos planos de conjunto em restaurantes, quartos de hotel, parques pela cidade. Os ruídos da cidade são abafados para privilegiar a compreensão dos diálogos, e a fotografia superexpõe os céus e paisagens para melhor iluminar os rostos – o foco se dá quase exclusivamente nos personagens. No elenco, Zhe Gong tem uma atuação bruta, ríspida – ela sequer encosta no filho durante toda a narrativa -, em contraste com o tom amoroso de An Nai e Pete Teo. Todos os personagens carregam um ar soturno de sofrimento e silêncios acumulados ao longo dos anos.
Por fim, A Viagem da Família não é particularmente esclarecedor no que diz respeito aos conflitos políticos na China, nem funciona como obra política assertiva – o diretor está a anos-luz da firmeza de sua protagonista. Mesmo assim, fornece um olhar humanista e empático a um grupo de pessoas feridas pelos rumos da nação, através de uma família verossímil e de um andamento agradável, sem excessos nem arroubos de originalidade.
Filme visto no 18º Festival Indie, em setembro de 2018.