Corpos em movimento
por Francisco RussoPara Pablo Larraín, tão importante quanto contar uma história é estabelecer sua ambientação, de forma a envolver o espectador ao clima proposto. Assim tem sido desde Tony Manero, passando pelos ótimos No, O Clube e Neruda. Com Ema, o diretor chileno mais uma vez repete tal proposta narrativa, disposto a criar um clima hipnótico que, seja através da música ou mesmo das imagens, é extremamente envolvente. Que o diga sua sequência de abertura, uma instalação composta por projeções e dezenas de bailarinos dançando, de visual impactante.
Para tanto, Larraín recorre a uma das personagens femininas mais fortes de sua carreira: de visual andrógino e olhar penetrante, Ema é uma esfinge. É através das conversas com o marido interpretado por um correto Gael García Bernal que sabe-se do recente trauma por ela vivenciado, no qual devolveu à adoção um garoto, devido a um incidente doméstico de graves proporções. Mais do que mostrar como aconteceu, Larraín está mais interessado em explorar o aspecto psicológico em torno do ato em si, seja através da reação das pessoas à sua volta ou mesmo da culpa, implícita, que impõe a si mesma. O relacionamento do casal também entra em questão, assumindo ares tóxicos a partir de acusações mútuas cada vez mais corrosivas.
Por mais que possua um peso emocional que posteriormente será resgatado, tal história do garoto que não se vê serve como subterfúgio para que o diretor mergulhe fundo em sua proposta estética, associada ao momento de vida de Ema. Dolorida e traumatizada, ela quer apenas sentir e é isto que lhe entrega o reggaeton, ritmo o qual tanto ensaia. É a partir do batuque incessante que mal possibilita o pensar de ideias que Ema também conduz sua vida, pulando de amante em amante em busca de experiências sensoriais, entrando ela mesma em um estado hipnótico que, visualmente, se traduz também no fascínio pelo fogo. Sem temer o fetichismo, Larraín chega ao ponto de inserir uma metralhadora flamejante apenas para ressaltar o prazer de sua protagonista em tal visão - e, ao mesmo tempo, a inconsequência de seus atos.
Soma-se a isso o forte tom sexualizado do filme, muito devido ao constante movimento de corpos proporcionado pelo próprio ritmo musical. Há em Ema uma forte conjunção entre história e ambientação, ao ponto de um influenciar e refletir no outro a todo instante, impulsionado também pelo bom trabalho de Mariana Di Girolamo como a personagem-título. Sedutora e decidida, já na postura ela transmite o que deseja enquanto que, no olhar, transita ora entre a fragilidade ora na habilidade em manipular quem está à sua volta. Não por acaso, recorre com frequência à tática de inverter perguntas ao seu entrevistador.
Ema é um típico filme de personagem, defendida com muita garra por sua intérprete, ao mesmo tempo em que se transforma em uma experiência sensorial e visual magnética, graças ao estilo de cinema que seu diretor tanto aprecia. Trata-se de um filme repleto de entrelinhas, mais no que se observa do que propriamente se diz, o que requer a imersão do espectador para que possa ser apreciado por completo.
Filme visto no Festival de Toronto, em setembro de 2019.