O filme “Ainda Estou Aqui” e a realidade retratada: a quem interessa?
Após o intenso e recorrente apelo para assistirmos ao filme brasileiro, considerado o "queridinho" da ala progressista do país, compartilho aqui minhas impressões:
No que diz respeito à mídia, o filme brasileiro se assemelha ao fenômeno de "Barbie" no quesito marketing que o envolve. A diferença, contudo, está na dimensão do Estado que o promove. Diante de tantos burburinhos, alvoroços exagerados nas redes sociais e na mídia tradicional, tentativas de boicote e outras estratégias que cercam produções como esta, carregadas de uma agenda ideológica e uma explícita necessidade de lucro (frequentemente interligadas, embora não necessariamente nessa ordem), fica uma questão: qual o real propósito?
Relatos de choros compulsivos nas salas de cinema, aplausos ensurdecedores ao final das sessões e outros exageros promovidos por uma militância engajada nas pautas sociais e identitárias não parecem refletir a realidade do público nas salas nem do filme em si. Essa foi, ao menos, a minha percepção.
E, já que falamos em realidade, é nela que desejo focar nesta breve análise. Minhas expectativas quanto ao filme não eram tão elevadas, dadas as experiências anteriores com produções como "Parasita" e outras que conquistaram Oscars em diversas categorias.
Um dos pontos centrais é que, se a esquerda insiste em criar obras que falam apenas para ela mesma, o fracasso é inevitável. A sociedade contemporânea convive com realidades que ultrapassam qualquer exagero retratado em ficção. Aliás, o que antes parecia exagerado, hoje já foi normalizado. Assim, obras repletas de sutilezas dificilmente alcançarão o objetivo de expor as crueldades da realidade, pois vivemos em um momento tão decadente que as pessoas não se incomodam mais com o que veem na tela.
Outro aspecto a se destacar: durante toda a nossa história, foi construída a ideia de uma ditadura cruel, sanguinária, violenta, torturadora e ameaçadora dos direitos humanos mais básicos. Contudo, na obra em questão, essa narrativa não é transmitida de forma convincente. Comparada à realidade atual, a história retratada parece até mais branda. Então, surge a pergunta: com quem a obra dialoga? Quem ela sensibiliza?
Se você pensou em intelectuais, celebridades de Hollywood e a esquerda elitista, talvez esteja certo. Nas favelas, nos guetos, e em lugares onde os indigentes vivem, realidades semelhantes ou ainda mais brutais são comuns. Crimes parecidos ocorrem diariamente, sem nenhuma grande exposição. Nessas comunidades, pessoas são silenciadas, torturadas, privadas de suas opiniões, ameaçadas e violentadas física e emocionalmente. A diferença é que os algozes dessas pessoas não são apenas agentes do Estado, mas também os comandantes do tráfico. Muitas vezes, esses dois grupos operam em conluio, compartilhando o domínio sobre as mesmas populações vulnerabilizadas.
Diante disso, a quem interessa a espetacularização da ditadura nos dias atuais? Ainda que de forma sutil, o filme parece tentar expor a classe média e criticar aspectos específicos da história brasileira. Mas até que ponto essa abordagem é efetiva?
Se o objetivo era falar para si mesmo — para a bolha progressista —, o filme pode ter cumprido sua função. Contudo, se a intenção era dialogar com o povo brasileiro, majoritariamente privado de uma educação verdadeiramente libertadora, e que vive revoltado com as crises do Estado e da política atual, então essa estratégia não parece ter sido bem-sucedida.
Quanto ao filme, assista e tire suas próprias conclusões. Se você não tiver nada melhor para fazer, recomendo.
Nota: Esta análise não contém spoilers.
ATS