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    Luna
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Luna

    A moral do corpo feminino

    por Bruno Carmelo

    Eis que, por estas coincidências do circuito comercial brasileiro, Luna é exibido no festival de Brasília ao mesmo tempo em que Ferrugem se encontra em cartaz. Ambos partem de uma premissa semelhante: uma jovem estudante tem um vídeo íntimo vazado na Internet. Ela passa a sofrer bullying, não encontra o suporte emocional necessário e enxerga no suicídio uma saída para o sofrimento. No entanto, os projetos são completamente diferentes – senão opostos, pelo menos complementares: o drama de Aly Muritiba se foca na gravidade do ato, no aspecto sombrio e penitente, como um “Crime e Castigo” dos nossos tempos. Para o diretor Cris Azzi, o registro erótico é o ponto de partida para conhecermos a vida de uma jovem e conceber a reinvenção de si a partir da desgraça pública.

    É importante que a descoberta do vídeo, as agressões e o desejo de morte ocorram nos primeiros minutos. Livre da responsabilidade de encaminhar a trama a um ápice trágico, o filme pode retornar à vida comum de Luana (Eduarda Fernandes), estudante de baixa renda de uma escola construtivista. Ela tem boas relações com os colegas, não sendo nem uma aluna excluída, tampouco uma figura popular. As particularidades que poderiam fazer da garota um caso exemplar (o fato de não conhecer o pai, de ser mais pobre que a média dos alunos, de ter que vender brigadeiros aos colegas) são tratadas com naturalidade, como parte constitutiva de sua identidade, não destoantes do ambiente ao redor. O encontro com a aluna Emília (Ana Clara Ligeiro), vinda de família abastada, provoca menos faíscas do que um equilíbrio entre as amigas.

    O filme se aproxima de conflitos importantes, jamais transformados em pontos de ruptura. Encontramo-nos diante do suicídio, de um potencial estupro, da descoberta da homossexualidade, da possível fuga. Azzi mantém a tensão pela proximidade de um horizonte alarmante para a protagonista. No entanto, o diretor e roteirista insiste em fazer a garota continuar, se transformar, se reinventar. Construída através de belos saltos temporais, a jornada da adolescente carrega um olhar não apenas otimista, mas também engajado. Mais do que discutir a redenção a partir do slutshaming, o filme sugere o empoderamento graças a ele. Partindo da vergonha do corpo, do sigilo do sexo, imagina-se o orgulho de uma manifestação livre da sexualidade.

    Outras discussões políticas se inserem em Luna: seja aquela partidária, com discursos pró-Dilma e contra Dilma evocando uma sociedade polarizada, seja aquela da cultura queer, que permite diferentes experiências sexuais sem a aplicação de rótulos rígidos. Além disso, o cineasta estabelece um limite ético na representação do corpo de suas jovens atrizes – não faria sentido que a estética adotasse o olhar voyeurista que condena. Os enquadramentos delimitam rigiamente o que desejam mostrar e o que preferem ocultar. Após tamanha imersão pela psicologia da personagem, o retorno ao desespero e ao pré-suicídio interpela o espectador de outro modo: estamos falando do possível fim de uma subjetividade, não apenas de um caso estatístico.

    O drama poderia ser criticado por alguns fatores como a ausência de discussões sobre diferença de classes sociais entre Luna e Emília, ou por algumas cenas mais artificiais (“Brigadeiro! Brigadeiro! Brigadeiro!”). No entanto, estes são detalhes perto de um registro capaz de equilibrar a gravidade da estética naturalista com a leveza das imagens poéticas de máscaras e florestas, destinadas a representar o universo íntimo da garota. Além disso, Luna revela uma jovem atriz desenvolta, capaz de sustentar, com uma maturidade impressionante, uma intensa variação emocional e longos planos-sequência focados em seu rosto.

    Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.

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