“Ilha”, segunda obra da dupla Ary Rosa e Glenda Nicácio de “Café com Canela”, e vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Brasília 2018, é um arriscado exercício de metalinguagem, um filme dentro do filme, que, felizmente, margeia o kitsch para escapá-lo, e funciona de forma muito satisfatória, poética.
A premissa é simples, mas original: Emerson (Renan Motta) sequestra Henrique (Aldri Anunciação, cuja forte atuação lhe rendeu o prêmio de melhor ator também no Festival de Brasília 2018), um renomado e amadurecido diretor de cinema baiano, para que dirija um filme sobre a sua dramática e sofrida história de vida numa ilha de onde ninguém consegue escapar.
Com boa dose de humor, os quinze primeiros minutos são dedicados à tentativa bizarra do enigmático e culto sequestrador em convencer o diretor sequestrado, relutante, a embarcar na empreitada cinematográfica visceral.
Sem a capacidade de se desvencilhar, o diretor inicia as baratas e toscas filmagens, com atores improvisados humildes moradores locais, que acabam por desembocar numa redescoberta de si mesmo, da sua maneira de como fazer e pensar o cinema, e da sua missão e escolhas como diretor já consagrado pelo mercado.
Dentro dessa jornada, os diretores (reais) se valem da escusa do filme dentro do filme para poder brincar corajosamente com a linguagem cinematográfica, enquadramentos peculiares, close-ups, performances non-sense, chegando, em determinados momentos até ao abuso, o que pode gerar incômodo em alguns e encantamento em muitos outros.
É necessário que o espectador embarque na licença poética e compre a ideia, assim como se abranda os limites do realismo num filme de super-heróis e de agentes secretos. Para aqueles que assim fazem, o filme é uma experiência saborosa, inspiradora. Talvez o belo final revelador sequer fosse esperado para estes, dentro do espectro de um filme que não segue nenhuma fórmula. Contudo, o “segredo” encerra de forma precisa a película e a sua proposta.
Numa segunda camada, talvez a principal, “Ilha” é um filme que homenageia de forma tocante o cinema como arte apaixonante, força transformadora, motor cultural e uma oportunidade de avivamento dos esquecidos.