Quando um filme de ação sai das formulas batidas do gênero é sempre um prazer a mais acompanhar os momentos envolvendo as pirotecnias e movimentações em lutas e combates dos personagens – sem falar que o fato de termos personalidades bem concebidas pelo roteiro ajuda muito na identificação e na eventual “torcida” pelas pessoas que vemos em tela – e esse é um ponto curioso de The Old Guard: afinal, seus personagens principais são imortais – ou nem tanto assim – mas o suficiente para que seja validado na trama suas angustias, buscas por propósitos e motivações – e a diretora Gina Prince-Bythewood (do drama A Vida Secreta das Abelhas) consegue se dar bem em um gênero novo para ela – conduzindo com eficiência todo o desenvolvimento de personagens em meio aos tiroteios e lutas – sendo prejudicada, possivelmente, apenas pelo “padrão Netflix de qualidade” – que insiste, obviamente, em tentar consolidar este longa como o primeiro de uma franquia que promete muitas sequências – fora o fato de um certo (e lamentável) tom mais adolescente para o trabalho – já que a inserção de música pop aleatória – que chega a tirar a tensão de alguns momentos – é um recurso tolo para tentar tornar a narrativa mais acessível e leve para o público mais jovem – algo que atrapalha o desenvolvimento um pouco mais profundo de todos os personagens e alguns temas de fundo.
Baseado na graphic novel de Leandro Fernández e Greg Rucka (com roteiro adaptado por este mesmo), The Old Guard conta a história de um secreto grupo de guerreiros imortais – compostos por Joe (Kenzari), Nicky (Marinelli), Booker (Schoenaertz) e a líder Andy (Theron) – com inúmeros feitos ao longo de muitos séculos, o grupo trabalha para quem os pagar melhor em situações importantes para o mundo, especialmente em conflitos armados – mas, ao aceitarem uma missão de resgate pedida por Copley (Ejiofor), um ex-agente da CIA, as coisas tomam um rumo inesperado – ainda mais com o aparecimento de uma nova imortal, a soldado Nile (Layne) – enquanto que Merrick (Melling), um cientista de uma indústria farmacêutica, está interessado em saber da onde vem a imortalidade dos quatro membros da equipe.
A força maior de The Old Guard vem claramente de seu elenco – não é preciso dizer que Charlize Theron é uma atriz tão completa que consegue se desenvolver perfeitamente com muito carisma para o drama e para ação – já vindo de outros longas deste gênero, ela transforma Andy em uma personagem quase tão complexa e multifacetada quanto sua Imperatriz Furiosa de Mad Max: Estrada da Fúria – a personagem, a todo tempo, se questiona do sentido de viver para sempre – afinal, assim como os outros integrantes do time, ela vê todos os seus entes queridos morrendo e nem sequer envelhece – o que torna sua dor pela perda de uma antiga integrante em algo tocante – sem falar que, com isso, a diretora consegue extrair um curioso pano de fundo, conseguindo refletir em nossa realidade – o fato das mulheres serem sempre subjugadas através dos séculos – seja pela igreja na santa inquisição ou no machismo estrutural que permanece até hoje.
Tais impressões sobre algumas minorias são bem inseridas nos demais personagens – como a homofobia, no caso de Nicky e Joe – é curioso a maneira como eles assustam um preconceituoso soldado que os captura apenas discursando sobre a importância de poderem se amar livremente (por séculos, inclusive); ou Nile de Kiki Layne (em boa composição, com direito também a agilidade para as cenas de ação) lidando com o fardo de ter que aceitar sua imortalidade e notar que isso a obriga a abandonar sua mãe solo e seu irmão – refletindo a realidade das mulheres que são obrigadas a cuidarem sem nenhum apoio de seus filhos – e com o Booker de Matthias Schoenarts e o Copley do sempre vibrante Chiwetel Ejiofor fica visível a dor de uma pessoa que precisou aceitar a perda de familiares – no caso do segundo, que não é um imortal, é curiosa sua intenção e certa admiração pelos integrantes do grupo.
Nesse quesito de desenvolvimento, infelizmente, o longa falha com o vilão de Harry Melling, que soa como apenas uma pessoa inescrupulosa, sem motivos por trás que o fariam mais complexo ou inteligente – seu Merrick não deixa de soar como um personagem um tanto perigoso no que acaba expressando – afinal, em tempos onde o negacionismo cientifico vem sendo responsável por muitas das mortes pelo covid-19, colocar um personagem que supostamente representa as fraudes da indústria farmacêutica para poderem lucrar com doenças e vendas de remédios, é um tanto arriscado e discutível – podendo induzir o espectador a ideias mentirosas e, talvez, compactuando com as fake news de diversos teóricos da conspiração que temos por aí.
Mas, mesmo não tendo momentos de ação tão memoráveis ou criativos, The Old Guard se sobressai também por sua boa misce-en-scene, ao dar bons enquadramentos para as cenas de ação, que nunca soam confusas ou difíceis de compreender – evitando cortes bruscos entre os socos, chutes e tiros – há de se criticar um pouco algumas decisões em inserir um flashback em uma cena, para justificar algo que ocorreu poucos instantes antes – resultando em uma pausa narrativa desnecessária – porém, coisas assim são compensadas pelo bom uso dos efeitos de maquiagem para os momentos de “regeneração” dos personagens – com o discreto uso de efeitos digitais e efeitos sonoros que trazem impacto e mais incomodo e realismo à isso.
Mesmo que com algumas decisões meramente mercadológicas para prosseguir como franquia (aliás, há uma importante cena pós-crédito), é um longa de ação de qualidade, que conta com um ótimo elenco e bom ritmo para sua tensa e movimentada trama – além de conseguir se sobressair com a abordagem consciente e atual de sua criativa diretora.