M3GAN (MΞGAN)
"M3GAN" é dirigido por Gerard Johnstone ("Housebound"), escrito por Akela Cooper (roteirista de "American Horror Story") a partir de uma história de Cooper e James Wan ("Invocação do Mal"), que também produziu com Jason Blum (produtor de "Halloween Ends").
Quando falamos de brinquedos assassinos obviamente a primeira coisa que vêm em nossa cabeça é o lendário e icônico "Chucky". Um clássico dos anos 80 que ganhou uma enorme relevância para o cinema, conquistou milhares de fãs mundo afora, se tornou um marco, um ícone e um verdadeiro patrimônio da cultura pop. "Chucky" foi tão relevante e tão influente que a partir dele surgiram vários filmes dentro dessa temática, dentro desse universo, que se utilizavam de brinquedos (bonecas) para ilustrar o terror, o suspense e obviamente a psicopatia. Posso citar uma que sou fã - a belíssima e encantadora "Annabelle".
"M3GAN" faz parte desse universo, conversa diretamente com toda essa temática, bebe exatamente dessa fonte.
Temos aqui a história clichê da família que morre em um acidente de carro e deixa sua filha órfã aos cuidados da tia. A tia é uma jovem roboticista muito inteligente que definitivamente não estava esperando por esse acontecimento e menos ainda em se tornar uma mãe - este é o ponto de partida da narrativa.
Eu diria que o enredo do filme é bastante interessante ao optar por inicialmente abordar o drama da pequena Cady (Violet McGraw) sendo confrontado com inexperiência do papel materno de sua tia Gemma (Allison Williams). É nesse ponto que entra a robô M3GAN, que foi desenvolvida por Gemma na intenção de distrair e até confortar a Cady dado ao momento que ela está passando. A primeira parte do filme é a melhor e a que mais funciona dentro de todo contexto, pois obviamente somos surpreendidos com abordagens sobre luto, solidão, traumas, afeto, carinho, atenção, amizade e amor. Nesse quesito o longa levanta algumas discursões, debates e críticas acerca dos pais que não dão a devida atenção aos filhos, sempre ocupados com o trabalho ou com qualquer outra coisa. Os filhos por sua vez sempre ficam escanteados, como é retratado no filme, quando a Gemma simplesmente acha genial a ideia da M3GAN substituir todo "trabalho" que ela teria com a Cady, uma vez que a própria chega a afirmar que ela não é sua filha.
O longa abre espaço para discutir vínculos familiares, funcionando como um drama familiar dentro de um filme que se estabelece como uma ficção científica de terror. É interessante notar como o filme aborda a teoria do apego, ou seja, quando uma criança perde os pais, elas procuram formar um forte vínculo, criar um forte laço com a próxima pessoa que entrar em sua vida (exatamente o papel da M3GAN). Ou seja, essa nova presença vai fornecer o apoio e o amor que a criança tanto deseja e sente falta pela sua perda recente, servindo até como um modelo comportamental - é exatamente isso que acontece no filme. Uma criação de um brinquedo tão real ao ponto da Cady não ver mais a M3GAN como um simples brinquedo, mas como sua cuidadora principal, substituindo totalmente o papel que foi dado para Gemma (como aconteceu na parte que a Cady preferiu desabafar e falar das suas lembranças para a M3GAN e não para sua tia). Obviamente se criou uma ligação e uma conexão emocional tão forte da Cady pela M3GAN ao ponto de isso atrapalhar em seu crescimento e obviamente em seu desenvolvimento. O que poderia ser uma ajuda para Gemma acaba por atrapalhar e ameaçar, pois em nenhum momento a M3GAN poderia ser colocada como uma solução, deveria ser apenas uma distração.
Outro ponto interessante é a forma como o filme aborda o avanço tecnológico, ou podemos dizer, o medo do avanço tecnológico desenfreado.
M3GAN - "Model 3 Generative Android" - uma boneca robô que foi desenvolvida como acompanhante com uma altíssima tecnologia de inteligência artificial. Ela é capaz de se conectar com a Cady, observar tudo que está acontecendo naquele momento, ouvir tudo enquanto está desligada, agir por conta própria, assimilar os comportamentos das pessoas ao seu redor e julgá-las como ameaças. Ou seja, uma inteligência artificial capaz de mudar o mundo. Exatamente como a empresa se vangloria, como a melhor invenção depois do automóvel, afirmando ser o ápice da tecnologia do século 21.
Como eu destaquei, temos aqui uma inteligência artificial capaz de mudar o mundo, porém, toda essa inteligência é desenvolvida de forma assassina em uma autoconsciência que se torna agressiva e hostil com o passar do tempo. E todos esses acontecimentos ocorrem justamente pelo fato da robô está ligada diretamente ao subconsciente de autoproteção, de defender a sua companheira contra qualquer um que se interponha entre elas. Dessa forma a M3GAN vai desenvolvendo características violentas e assassinas.
Também podemos considerar que esse avanço tecnológico retratado no filme, e até o vínculo que é criado entre a Cady e a M3GAN, facilmente pode funcionar como uma crítica a nossa própria hipocrisia; que diariamente substituímos a relação humana por assistentes virtuais, afinal de contas quem aqui não se identifica em ter o seu celular como o seu melhor amigo do dia a dia, ignorando tudo e todos em sua volta, cortando até relações e ligações familiares. O mesmo vale para os pais que optam por deixarem seus filhos sendo educados no mundo virtual através dos Tablets e celulares. Este é o novo mundo em que vivemos.
Em questões de elenco tivemos participações ok.
A jovem Violet McGraw ("Doutor Sono" e "Viúva Negra") é um doce, uma fofura extrema, com toda a sua simpatia ela conseguiu nos cativar. Allison Williams ("Corra!") contribui bem com o papel da tia/mãe inexperiente e perdida, onde ela erra tentando acertar, isso é muito perceptível ao longo da trama. Só achei que o arco entre tia e sobrinha foi bem superficial, a impressão que fica é que a Gemma se preocupa menos do que deveria com o afeto de Cady a M3GAN, algo que acaba facilitando todo desenvolvimento assassino de M3GAN. Porém, não sei se essa era a intenção que o roteiro queria nos passar, mas no final todo amor e carinho entre ambas ficou bem notado.
Agora eu preciso dar o destaque merecido para as atrizes Amie Donald ("Sweet Tooth") e Jenna Davis ("Saturday at the Starlight"). Amie executou todas as cenas de M3GAN que exigiam movimentos físicos que a boneca não podia fazer e também fez todo o seu próprio trabalho de dublê - uma belíssimo trabalho corporal e gestual. Já Jenna atuou dublando a personagem, emprestando a sua voz para M3GAN atacar de companheira e psicopata.
Ao meu ver, "M3GAN" se sai muito bem ao apostar em uma mistura de ficção científica e terror pop, um trash horror comedy, um terror com alguns toques de drama e comédia, onde podemos facilmente considerar como um filme de terror para o espectador que não gosta de terror. Algo como um terror que não é terror, ou um terror sem terror, e muito se deu pelo fato da classificação indicativa do filme, que foi diminuída para 13 anos, como uma jogada para atrair o público de todas as idades. E apostando exatamente nesse quesito de público de todas as idades que os roteiristas optaram por um terror mais leve, sem violência explícita, sem gore, uma espécie de terror família. Algo que foge da temática dos filmes do "Chucky" e "Annabelle", onde a violência com requintes de crueldade eram mais explícitos.
Os próprios roteiristas afirmaram que o filme teria mais gore, cujo a contagem original de corpos era muito maior, com o filme sendo muito mais sangrento. A escritora Akela Cooper espera que o filme eventualmente seja lançado sem cortes.
Por outro lado "M3GAN" foi feito para viralizar, onde fatalmente atingiria o público da nova geração das dancinhas e coreografias do TikTok. E deu muito certo, "M3GAN" viralizou, principalmente por trazer as dancinhas do TikTok, cantar um trecho da música "Titanium" do David Guetta, ser a nova queridinha da comunidade LGBTQIA+, atingir uma representatividade e uma fama mundial e vista como ícone de fãs do pop. Sem esquecer de citar que a música que M3GAN é vista tocando no piano é "Toy Soldiers", um sucesso de 1988 do artista Martika.
Outro fator que contou muito para o sucesso do filme foi sua divulgação e todo trabalho de marketing, onde atores vestidos como M3GAN compareceram ao jogo Los Angeles Rams/Los Angeles Chargers NFL no domingo, 1º de janeiro de 2023, para ajudar a promover o filme. Eles até dançaram no meio-campo durante o intervalo - deve ter sido hilário e ao mesmo tempo bizarro. As novas produções de terror tem apostado bastante em todo esse trabalho de divulgação para o lançamento dos filmes, algo que já vimos recentemente no filme "Sorria".
"M3GAN" foi um sucesso comercial e de crítica, arrecadando mais de $ 104 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 12 milhões, e é atualmente o filme de maior bilheteria de 2023. Em sua primeira semana de lançamento nos EUA o filme simplesmente desbancou do trono o todo poderoso "Avatar: O Caminho da Água". Uma sequência, intitulada "M3GAN 2.0", está programada para ser lançada em 17 de janeiro de 2025, com Allison Williams e Violet McGraw reprisando seus papéis e Akela Cooper voltando para escrever o roteiro.
No mais, "M3GAN" consegue cavar seu espaço na prateleira de "Brinquedos Assassinos", se estabelece de vez na indústria, viraliza e mostra suas referências e aprendizados trazido do seu antecessor boneco psicopata no quesito cultura pop. Facilmente podemos colocar "M3GAN" como um filme fofinho, bonitinho, um terror teen que traz uma certa abordagem em um drama familiar, mas por outro lado o longa também aposta em uma mistura de horror e humor, além de elementos satíricos e toda uma psicopatia nas partes finais.
Uma aposta que deu certo, aquele clichezão moderno, aquele terror despretensioso e descompromissado que já estamos acostumados, aquele terror pipocão, pastelão, o verdadeiro terror de shopping center. Por falar em shopping center, o filme funcionou perfeitamente na sessão que eu estava, o público se divertiu, deram risadas, entraram no clima de suspense e até se assustaram em algumas partes. Ou seja, valeu o ingresso e a pipoca estava excelente! [27/01/2023]