O quanto vivemos com indifierença à miséria que nos rodeia? O quanto nos alimentamos dela e fingimos que está tudo bem? O filme é muito mais do que mais um olhar sobre o holocausto, e podemos transcender essa incessante necessidade de não se esquecer desta história. Podemos transcender simplesmente porque isso está acontecendo agora, neste momento, por quem lê e por quem escreve esta crítica. O filme fala da insensibilidade com a qual convivemos com a miséria do nosso semelhante, que muitas vezes está ao nosso lado, na nossa rua, dormindo embaixo da marquise. Por mais que evitemos olhar, interagir, relacionar, o seu barulho vai chegar ao nosso ouvido. A gente sabe que está ali, nos rodeando, fazendo parte da nossa vida, da vida dos nossos amigos e parentes, do ar que respiramos.
Apesar de não ter uma única cena em que aparece um judeu,
a impressão que fica é que o barulho do sofrimento vai crescendo ao longo do filme, não sei se é porque vai crescendo mesmo ou se isso ocorre em função do incômodo que vai aumentando dentro da gente a cada segundo que se passa, sem que aquela situação ali seja mencionada, seja vista, seja considerada.
O quanto é possível viver nesse fingimento? Quanto esforço temos que fazer internamente para nos convencer de que não temos nada a ver com isso? Porque temos, e temos muito. Se há desigualdade, alguns poucos se beneficiam dela. A desigualdade aumenta a riqueza de pouco e saí do filme pensando no esforço interno que fazemos para lidar com essa realidade. O esforço assume ares de indiferença, arrogância e hipocrisia. Vem como forma de racionalizações querendo justificar de alguma forma a situação.
A mãe da Hedwig, vivida pela Sandra Huller, era faxineira de uma judia, que talvez esteja do outro lado do muro nesse momento. "Mas também, são as confusões que aqueles bolcheviques aprontam". São eles que não se comportam, que fazem coisa errada, que não trabalham, etc... Não é exatamente isso que falamos sobre os nossos indigentes? E provavelmente era o que a judia rica pensava sobre a faxineira explorada de outrora. Justificamos a miséria para manter nossa posição.
Esse absurdo é jogado na nossa cara em Zona de Interesse, e pelo fato de não ser mostrado, o incômodo é ainda maior. Saí do filme perplexo, mas também cabisbaixo, reflexivo, culpado. O quanto precisamos nos endurecer para simplesmente tocar a vida com essa culpa?