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    Eu Não me Importo se Entrarmos para a História Como Bárbaros
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Eu Não me Importo se Entrarmos para a História Como Bárbaros

    A dona da História

    por Taiani Mendes

    Radu Jude não se importa de entrar pra História como antirromeno. Mesmo não o sendo, muito pelo contrário. Tal e qual sua protagonista, a diretora Mariana (Ioana Iacob, sensacional), o cineasta quer refrescar na memória popular o massacre de judeus e ciganos perpetrado pelas tropas do país durante a Segunda Guerra Mundial. A escolha mais óbvia para tanto seria um documentário - e ele o fez ano passado, The Dead Nation -, mas porque não ir ainda mais fundo explorando o tema numa ficção tão ácida quanto educativa, entretenimento de primeira sem por isso ser menos político? Eu Não me Importo se Entrarmos para a História Como Bárbaros não é para sensíveis ou é principalmente, afinal trata de empatia: de realizador real para realizadora fictícia, de atriz para personagem, de romeno para romeno.

    Farto em duração e conteúdo, este é um filme impossível de ser absorvido totalmente numa sessão, pois abundam referências literárias, cinematográficas e históricas (algumas bem locais) incorporadas na trama dos mais diversos jeitos, como se Radu tivesse se lançado o desafio de explorar inúmeras possibilidades narrativas e colocar em cada sequência ao menos um hiperlink. Ao mesmo tempo em que gira em torno de uma reencenação obsessiva e subversiva do passado, no entanto, Eu Não me Importo se Entrarmos para a História Como Bárbaros lança farpas no homem do presente, talvez até mais racista e conservador que seus parentes de outra geração.

    Fazendo rir com nazismo, "solução final", Nagazaki e gritos de vítimas, o diretor assume o risco de perder alguns espectadores, mas, como a apresentação de Mariana, jamais zomba o que aconteceu e sim as pessoas e como elas lidam com os acontecimentos. Aspirando conjugar controvérsia e excelência como D. W. Griffith e Leni Riefenstahl, Radu "se exibe" com um longo plano da personagem principal lendo um livro, uma conversa que leva a muitos caminhos, textos ditos diretamente para a câmera e a encenação na íntegra, capturada como que para a TV, mas também faz uma espécie de autocrítica do diretor politizado e cult que se vê como o iluminado que deve esclarecer as massas e na verdade é o mais ingênuo de todos. Ao decidir por uma mulher como a realizadora fictícia, ele ainda coloca questões sexistas na trama, como o fato dela ser constantemente questionada e desrespeitada enquanto autoridade artística, e o velho equívoco sobre o que é ser feminista e a defesa o aborto - o melhor momento de um relacionamento que não adiciona muita coisa ao filme.

    Entre bastidores, atores, figurantes, especialistas, reencenações e reconstituições, comparações entre massacres, acalorados debates artísticos, patinetes, tanques, armas, ameaças, censura, crianças e selfies antissemitas, Eu Não me Importo se Entrarmos para a História Como Bárbaros é riquíssimo em assunto, espirituoso e perseverante ao mostrar uma performance sobre o braço romeno do Holocausto para falar não apenas dele, mas também da preparação e da recepção dessa rememoração, de quem agiu e de quem aplaudiu, de ontem e hoje, de arte e realidade. Quem é o responsável pelo espetáculo da desgraça de um povo?

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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