O Brinquedo Assassino original, de 1988, se tornou um dos filmes de terror mais populares dos anos oitenta – dirigido por Tom Holland, o longa explorava de maneira bem simples, mas eficiente, a história (absurda) de um boneco de brinquedo que era possuído pela alma de um perigoso assassino adepto do voodoo – e acabava por infernizar a vida de uma criança e sua mãe – longe de ser um clássico ou cult, está produção se tornou famosa graças aos seus inovadores e inventivos efeitos especiais para a época, se apoiando entre um boneco animatrônico, trucagens com crianças vestidas de boneco e a sugestão (uma das melhores “armas” do gênero) – e ganhou seis continuações, com resultados bem medíocres com as partes dois e três – mas, depois, com A Noiva de Chucky (1999) e O Filho de Chucky (2005) a idéia original simplesmente foi trocada por humor, levando na mais pura gozação a história do boneco psicopata e nem preciso citar as continuações em 2013 (A Maldição de Chucky) e de 2017 (O Culto de Chucky) – que, realmente, não tinham mais nada para explorar com qualidade – o que, provavelmente, nos traz a este remake do filme original – afinal, o público pouco se importa com o destino de Chucky, então, indo na moda das refilmagens, atualizar a idéia do filme original pareceu ser o mais viável – a boa noticia é que realmente a atualização dos conceitos originais funciona – mas a noticia ruim é que isso não é suficiente para tornar o filme assustador ou tenso – e nem ao menos divertido, como o original era.
Sob as mãos do diretor estreante Lars Klevberg, o roteiro escrito Tyler Burton Smith já começa alterando toda a origem do boneco Chucky: desta vez, ele não é a reencarnação de alguém, mas sim, um brinquedo da grande empresa Kaslan – que desenvolve, além dos brinquedos, softwares, drones, smartphones e até um aplicativo semelhante ao Uber – todos interligados e fáceis de controlar pelo celular do usuário – Chucky (e desta vez seu nome não tem nenhuma ligação com sua história – no original era o apelido do assassino) surge quando um funcionário insatisfeito com seu trabalho em uma fabrica da Kaslan no Vietnã resolve deixar a memória do boneco “malvada” – tirando a “moralidade” do brinquedo e reprogramando sua “natureza” – tudo isso pouco tempo antes do vietnamita se suicidar, deixando o boneco na linha de produção, até ele chegar nos Estados Unidos, onde uma funcionaria de uma loja, Karen (Plaza), adquire o brinquedo e o dá de presente para seu filho Andy (Bateman) – com o boneco demonstrando um apego enorme por Andy, não demora muito tempo para que o comportamento de Chucky se torne bem perigoso, causando várias mortes – principalmente, de quem supostamente impede Andy de “ser feliz”.
A dinâmica desta vez é diferente: desde sua concepção, Chucky já é visto se mexendo, por tanto não há aquele mistério e surpresa por vê-lo com personalidade própria – o que o roteiro de Burton Smith faz é transformar o brinquedo em um mero robô – e uma obvia (e já bastante utilizada) referência ao tema “máquina se virando contra o homem” – apontando a falta de bom senso e emoção das máquinas – passando ainda por uma referencia, mesmo que tímida, as influencias que crianças e adolescentes podem ter em ambientes tóxicos – a mãe de Andy se envolve com um homem casado (vivido por David Lewis) e que não trata bem o menino – ou através da cultura – sejam os brinquedos, celulares, internet ou filmes (conforme mostrado na referencia ao clássico O Massacre na Serra Elétrica) ou quando uma personagem diz que o fato de ter um brinquedo com vontades próprias é um sinal de que o mundo acabaria – satirizando histórias como Matrix ou O Exterminador do Futuro.
Tendo como vantagem em relação ao original o fato de contar com crianças mais crescidas – o Andy de agora tem mais personalidade e diálogos – bem vivido pelo menino Gabriel Bateman (que pode seguir uma carreira boa, pelo talento demonstrado aqui), Andy e os demais pré adolescentes na trama tem algum desenvolvimento satisfatório – e, especificamente no personagem de Bateman, existe uma criação multifacetada, demonstrando o descontentamento do menino com a vida de sua mãe (em atuação correta de Aubrey Plaza) e sua forma de suprir a falta da figura de um amigo com Chucky (eficientemente dublado no original por Mark Hamill, nosso eterno Luke Skywalker e voz do Coringa em diversas animações da DC) – inicialmente, a relação do menino com o boneco chega a ser comovente – ou pelo menos tenta isso – mostrando que o foco desta versão é realmente o menino Andy (curiosamente nos remete ao Andy de Toy Story, também as voltas de “brinquedos falantes”, mas em abordagens diferentes, é claro) e não sua mãe, como era no original, dando menos importância para o detetive Mike de Brian Tyree Henry, que aparece como um “vizinho conveniente”, para ajudar na progressão do roteiro.
Embora consiga estabelecer o emocional de seus personagens principais, o roteiro, daí para frente, torna-se um lugar comum, investindo nos sustos forçados e mortes bastante previsíveis – que, se não fosse a grande quantidade de sangue, transformaria o filme em algo ainda mais leve – não há nenhum suspense nas cenas onde Chucky ataca alguém – e mais decepcionante ainda é perceber que os recursos tecnológicos da empresa Kaslan para o boneco são bem pouco aproveitados – embora justifiquem a fama dentro do filme dos brinquedos, afinal, hoje em dia sabemos que as crianças não tem lá esse grande interesse por bonecos – resultando em cenas patéticas como a do “Kaslan Kar” ou o fim de um estranho sindico do apartamento onde mora Andy e sua mãe – mesmo que seja curiosa a forma de Chucky ir se tornando psicótico aos poucos, nem o roteiro e nem a direção se sustentam o suficiente para garantir que nos importemos com vários personagens – e querer aglomerar várias pessoas num lugar só para causar mais mortes é um recurso obvio e clichê do roteiro.
Contando com uma direção de arte que concebe de forma crível esta nova versão de Chucky, com expressões curiosas, que parecem verossímeis pelo simples fato de tentarem ser mais robóticas – ao contrario do original, onde tentavam fazer os movimentos do boneco parecerem mais reais – este remake não consegue criar um clima realmente assustador, optando por entrar no gênero horror – oferecendo cenas de violência pouco criativas – e abandonando o terror que o filme antigo conseguia atingir, sem nem sequer ser bem humorado – em se tratando de uma formula já repetida pelas insossas seqüências do filme de 1988, não há muito o que fazer para que este Brinquedo Assassino se sobressaia – mas uma dose de inventividade e ousadia faria menos mal do que a fraca ameaça de Chucky desta vez.