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    Amália, a Secretária
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Amália, a Secretária

    A vida invisível

    por Bruno Carmelo

    Desde o princípio, existe algo estranho na pequena empresa de produtos elétricos onde trabalha Amália (Marcela Benjumea). O único cômodo que vemos é a recepção de tons marrons, impessoais. Os clientes nunca vêm, os raros colegas de outros departamentos entram pela porta e depois somem para lugar nenhum. O patrão, Don Bernardo (Diego Leon Hoyos) fecha-se em seu escritório para fazer quase nada – quando sai do enquadramento, ele para de existir. O ambiente combina monotonia e tensão, pois a protagonista precisa estar à disposição assim que for chamada, embora quase nunca o seja. Amália aparenta ao mesmo tempo atarefada demais (ela tem que cuidar de todo o escritório, enquanto as pilhas de documentos acumulam em sua mesa) e entediada demais pelo silêncio, pela repetição, pela impressão de inconsequência.

    Amália, a Secretária oferece um olhar tragicômico à vida corporativa. O desprezo dos homens poderosos e a condescendência dos colegas ganham um ar meio absurdo, meio lúdico, graças à condução do diretor Andrés Burgos, que prefere embalar sua crítica social numa atmosfera de sonho – ou seria pesadelo? Para a ordeira Amália, a única rebeldia possível consiste em chupar as balinhas reservadas aos clientes e devolvê-las ao pote, para em seguida oferecer o doce àqueles de quem desgosta. A vingança é pessoal, íntima, minúscula. Toda a vida de Amália, na verdade, é minúscula, por estar separada da filha, por não ter um interesse amoroso e por se limitar aos cuidados da mãe idosa.

    A chegada do eletricista Lazaro (Enrique Carriazo) à empresa antecipa um óbvio romance, quase por ausência de opções: o que mais poderia acontecer neste ambiente com pouquíssimos personagens e possibilidades limitadas de interação? Ambos são solitários, ambos são empregados pouco reconhecidos em suas funções. A aproximação entre eles é instantânea. O diretor faz questão de cercá-los por grandes planos abertos, de modo a salientar o vazio dos espaços e sua dificuldade de comunicação. Burgos prefere o silêncio e o desconforto aos gestos explícitos, prefere a artificialidade dos enquadramentos frontais à naturalidade de uma câmera que acompanharia os seus personagens. A comédia demonstra a bela capacidade de criar humor pela estética, ao invés de depender das piadas do roteiro.

    Mesmo o humor físico se distancia da comédia popular. Ninguém tropeça e cai, ninguém faz caretas. A narrativa proporciona momentos em que os dois seres imóveis e corpulentos são obrigados, literalmente, a se mover: eles passam por cursos de meditação e ioga na empresa, fazem aulas de dança de salão. Tanto Marcela Benjumea quanto Enrique Carriazo se saem muitíssimo bem nestes instantes, reforçando a inadequação de ambos sem ridicularizá-los. Existe evidente empatia pelos personagens, por suas pequenas tentativas de mudança e transformação. Mesmo a vingança simbólica da secretária com o patrão é resolvida de modo surpreendentemente doce. Estamos num terreno em que símbolos valem mais do que ações.

    Rumo à conclusão, Amália, a Secretária perde um pouco o ritmo. As cenas de dança e meditação se repetem e a mudez da mãe idosa torna-se insistente, embora o roteiro não tenha a intenção de desvendá-la. O próprio romance com o eletricista se apequena até virar coadjuvante. É curioso como o projeto se arma de ferramentas suficientes para transformar a vida de sua personagem, resolvendo todos os problemas de uma vez – tanto os profissionais quanto os afetivos e familiares. No entanto, Burgos sabota a si mesmo, abandonando estas pistas e se contentando em sugerir uma vontade de mudança por parte da singela protagonista. A cada vez que o roteiro ameaça se tornar convencional ou explícito, o cineasta mantém as rédeas firmes no humor agridoce, melancólico, voluntariamente pequeno.

    Filme visto no 28º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, em agosto de 2018.

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