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    A Princesa e a Plebeia
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    A Princesa e a Plebeia

    Duas garotas nobres

    por Bruno Carmelo

    Imagine encontrar pelas ruas uma pessoa idêntica a você. Não um irmão gêmeo perdido, apenas um sósia perfeito. Imagine então que está pessoa, riquíssima, diz estar cansada da vida nobre, e implora para assumir a sua vida de cidadão de classe média, pelo prazer da experiência. Você, que nunca tomou atitudes arriscadas na vida, diz “Sim, por que não?”, e faz-se a troca. A Princesa e a Plebeia parte de uma premissa absurda, sem se dar ao trabalho de aprofundar as motivações - todas as ações descritas acima ocorrem nos primeiros dez minutos da trama. Pelo menos, ele nunca tenta parecer realista: estamos no território da fábula, da magia de Natal, da ideia de que a fé move montanhas e milagres acontecem.

    Pode-se suspender a descrença por completo e embarcar na fantasia com toda a ingenuidade que o projeto solicita a seu espectador. Mas a tarefa não é tão fácil: o castelo onde mora a condessa Margaret (Vanessa Hudgens) está longe de parecer um castelo; as caminhadas com o príncipe (Sam Palladio) ocorrem sobre um fundo de chroma key; o convite para um concurso de culinária surge de modo abrupto na vida da pequena confeiteira Stacy (Vanessa Hudgens também). A cada vez que o espectador acata uma concessão à lógica, a narrativa pede mais uma, e assim por diante. Aparecem então vilões dos dois lados da farsa, uma fada madrinha para cada uma das garotas, e um homem belo, gentil e musculoso interessado em cada uma delas. Estamos num mundo simétrico, sugerindo ironicamente que a vida da garota rica e a vida da garota pobre são idênticas em termos de afeto e possibilidades.

    A Princesa e a Plebeia traz mensagens sociais parcialmente progressistas, para não soar anacrônico, embora preserve certo tradicionalismo pela redução das mulheres à aparência e à necessidade de um marido/namorado. Em outras palavras, tanto Stacy quanto Margaret são mulheres fortes à sua maneira, cada uma delas impõe algo inovador a um ambiente codificado - a pobre ensina à realeza como se importar com o povo; a rica ensina aos trabalhadores cautelosos a necessidade de tomar riscos e viver a vida intensamente -, mas no final o sonho ainda é o de ser princesa, seja oficialmente ou extraoficialmente, com direito a uma coroa posta na cabeça de uma órfã que “pode se tornar princesa em seu coração”, nas palavras da condessa.

    O diretor Mike Rohl não se esforça em criar uma construção sofisticada de imagens ou na direção de atores. As cenas se encadeiam de modo meramente funcional, mesmo óbvio: os planos e contraplanos simétricos reforçam a semelhança evidente das protagonistas, a trilha sonora opta pelo pop natalino que se ouviria em qualquer loja de roupas, a iluminação se assemelha a efeitos teatrais. Mesmo tendo poucas crianças em cena, esta produção remete ao cinema infantil por simplificar sua elaboração ao máximo, como se temesse a incapacidade do público em compreender a diferença entre as jovens idênticas, ou as funções de cada um na trama. Por isso, a fotografia é clara demais, a direção de arte é lisa e sem texturas, a montagem é evidente, como se o filme tivesse medo de provocar o mínimo ruído. É preciso que toda cena corresponda ao imaginário popular sobre riqueza e pobreza, sobre homens e mulheres, sobre príncipes e princesas.

    Até por isso os personagens não possuem construções específicas, mas funções: a princesa, a plebeia, o príncipe, o par romântico, os vilões etc. Rohl acentua esses traços, certamente por compreendê-los como parte necessária ao humor, mas acaba gerando caricaturas simplórias. Vanessa Hudgens poderia se divertir bastante com a personagem, criando ao mesmo tempo os clichês e suas paródias, mas demonstra pouco repertório técnico para subverter os códigos. Nick Sagar exagera na gentileza e afabilidade, tornando involuntariamente cômica a cena em que deveria ser sexy (a entrada no quarto sem camisa). Curiosamente, Sam Palladio consegue apresentar uma atuação comedida no papel do príncipe, e a pequena Alexa Adeosun se revela uma promissora atriz iniciante.

    Depois de alguns trechos bem resolvidos na parte central, a conclusão retorna ao mesmo nível de magia (entenda-se: falta de lógica) do início. Salta aos olhos, no entanto, um inesperado desvio em relação às expectativas: ao invés de propor o equilíbrio comum às histórias de duplos (a garota rica aprendendo a respeitar a pobreza, a pobre aprendendo a ser mais ambiciosa), o discurso sugere que cada uma vai manter sua “natureza”, e cabe ao mundo se adequar a estes traços pessoais. Trata-se de uma visão de mundo estranha às produções de princesas de décadas atrás, mas que talvez convenha à sociedade ultra personalizada do século XXI.

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