Um conto moderno
por Francisco RussoNão é de hoje que ídolos da música transitam pelo cinema, muitas vezes tratado como mero veículo publicitário. À primeira vista, Ana e Vitória não foge à regra: a ideia é contar um pouco da origem do duo Anavitória, nascido no interior do Tocantins rumo ao sucesso através da internet, a partir do tom bem-humorado e espirituoso de suas protagonistas. Só que, muito habilmente, o diretor Matheus Souza vai além do convencional ao entregar um contundente painel dos relacionamentos modernos em uma geração que faz absolutamente tudo diante do celular. Bem-vindo aos millennials!
Tal transição é feita de forma tão suave que, em vários momentos, o espectador é até mesmo capaz de esquecer que está diante de uma cinebiografia. A abertura em plano sequência em busca de Vitória logo leva ao encontro de Ana, que, com o violão em punho, se apresenta em uma festa no Rio de Janeiro. Distantes de sua cidade-natal, Ana e Vitória se aproximam de forma um tanto quanto canhestra, aos poucos entregando uma desenvoltura essencial ao desenrolar desta narrativa absolutamente plural. É no modo como lidam com os relacionamentos, uma em busca do amor de sua vida e outra apenas em se divertir naquele momento, que encontram a tão sonhada parceria.
Diante de tal contraste, Ana e Vitória entrega não só uma visão aberta do mundo que as cerca, sem se submeter a estereótipos de afeto, como também um retrato íntimo de como esta geração se relaciona com a tecnologia. Com diálogos bastante espirituosos, o público é brindado com pérolas como o uso do Stories para atrair alguém para uma festa ou mesmo da aflição gerada pelo término de um relacionamento via WhatsApp. A sequência de uma festa onde todos, absolutamente todos, estão com o celular em punho é sintomática: mais que a dupla em foco, o filme busca o retrato de uma geração cujos sentimentos e atitudes giram em torno da imagem a ser construída, via redes sociais. O resto, é consequência.
Para tanto, o diretor Matheus Souza explora com muita habilidade o carisma de suas protagonistas, de forma a contar uma história descolada que poderia muito bem acontecer em qualquer núcleo jovem de alguma grande metrópole. Meigas e fofíssimas, Ana e Vitória conquistam o espectador com sua sinceridade explícita aliada ao linguajar inusitado, que geram conversas nonsense tão divertidas quanto absurdas, como a chacina do formigueiro ou a camisinha idosa que não quer perder a validade. Isto em meio a um punhado de dúvidas e aflições decorrentes da busca pelo amor, tão universais quanto intrínsecas à juventude.
Diante de tal proposta, o filme consegue driblar até mesmo a nítida falta de recursos financeiros, facilmente percebida pelo grande número de cenas em um mesmo ambiente e pelos saltos temporais existentes, sempre fugindo de externas. Há também um certo excesso na duração, que faz com que o filme se alongue mais que o necessário - uns 15 minutos a menos fariam bem à trama como um todo -, e a participação exageradíssima de Victor Lamoglia, como um dos peguetes de Vitória. Por outro lado, Clarissa Müller e Bryan Ruffo se destacam em meio a tantos coadjuvantes, justamente pelo tom espirituoso e orgânico de seus personagens.
Agradável e envolvente, Ana e Vitória brilha justamente ao retratar os hábitos de uma novíssima geração que está ao redor, reagindo não só ao que lhe acontece como também à forma como são percebidas, seja pessoalmente ou online. Se o filme por vezes destoa por ter que retornar à questão institucional em torno da formação da dupla, especialmente a partir da presença de Bruce Gomlevsky como o produtor Felipe Simas, o desprendimento e a naturalidade das protagonistas compensam de longe tal situação. Bom filme, capaz de agradar quem jamais havia ouvido falar da dupla e, é claro, também aos seus fãs de carteirinha, pela quantidade (e qualidade) de situações envolvendo a trajetória das cantoras/atrizes.