Coitadinho é o caralho
por Taiani MendesDaniel Gonçalves vive desde o nascimento com uma deficiência nunca diagnosticada e, adulto e cineasta, decide registrar um novo processo de investigação sobre a doença que limita seus movimentos. Esse tipo de documentário, extremamente pessoal, semelhante a um diário, construído em torno de uma procura, não é novidade no cinema nacional, e Meu Nome é Daniel tenta se diferenciar por meio da entrega plena do protagonista e diretor, corajoso ao colocar-se em primeiro plano expondo vulnerabilidades.
Na realização Daniel faz mais do mesmo, o que é até decepcionante considerando a quantidade de material de arquivo em boa qualidade que sua família ostenta, mas como determinado personagem principal ele chama a atenção pelos foras disparados, a indisposição para a "coitadice" e o humor involuntário. Sua protetora e carismática mãe, com quem tem uma relação bastante próxima, coestrela com semelhante brilho, especialmente quando flagrada questionando as gravações.
O inesperado tom cômico com que o filme é aberto se mantém no decorrer do documentário e uma história tão não convencional de fato pede uma apresentação na mesma medida. Os pais de Daniel não ficaram obcecados com suas dificuldades na infância, tratando-o como um menino igual aos demais e exigindo a mesma coisa da sociedade, e o público não deve esperar ver na telona um mero retrato da dura vida de vítima de enfermidade indefinida. Estão presentes comentários sobre inclusão, preconceito, despreparo e irresponsabilidade médica, mas o foco é no incansável esforço do protagonista em se adequar – um exemplo justamente sendo a adoção de estilo cinematográfico que todo mundo está usando – e ter a tal doença misteriosa desprezada pelas outras pessoas, da maneira como foi criado pelos pais.
Daniel manda cortar quando não consegue lidar com algo sem ajuda, não assume quando está passando mal e destaca a normalidade de sua rotina desde a mais tenra idade, mas Meu Nome é Daniel é interessante mesmo quando a narrativa pré-moldada é ofuscada pela íntima conexão da família com as imagens. O super-8 do tio Bill, o VHS do pai, a mãe perguntando do tripé, a câmera colocada nas mãos do primo, a reencenação em grupo anos mais tarde... Há um dinamismo colaborativo, engrandecido pelos diferentes formatos, que faz pensar sobre privilégios, relações de poder e as transformações ocasionadas pela posição em relação à câmera.
Ao som do melhor do pagode 90, um irritável rapaz divertido, em luta pela independência, revisita a infância enquanto busca respostas jamais dadas a seus pais sobre a doença com que convive. Quando a questão é resolvida, Daniel parece perdido e ficou faltando na reta final aquele corte antes da intervenção externa. Desconectado do que foi visto até então, o encerramento começa com um discurso/desabafo que coloca em palavras a ideia pregada desde a primeira cena, como um último apelo, algo certamente caríssimo à Daniel, mas cinematograficamente bem pobre. Por fim uma performance muito mal explicada planta dúvidas que não deveriam nascer nos segundos finais de um filme e a sensação é de estranhamento e incompreensão. O que Daniel estava fazendo?
Filme visto no 7º Olhar de Cinema, em junho de 2018.