As castradoras
por Bruno CarmeloPara esta comédia de erros, o direto Allan Mauduit se inscreve num contexto social muito específico, no caso, os grupos mais desprivilegiados da França atual. A classe operária é representada por três mulheres de origens distintas: Sandra (Cécile de France), antiga miss de uma região empobrecida, acaba de ser empregada na asquerosa usina de sardinha em lata devido à crise econômica; Marilyn (Audrey Lamy) é mãe solteira, acostumada tanto à linha de produção quanto ao chefe assediador, e Nadine (Yolande Moreau), com mais de cinquenta anos, representa a mulher que jamais conseguiu se emancipar dos pequenos trabalhos, e ainda precisa sustentar a família inteira. Uma delas acaba de entrar na faixa de pobreza, a outra, é uma jovem funcionária, e a terceira, após décadas nesta situação, sequer vislumbra uma possibilidade de melhoria.
A narrativa poderia se prestar ao realismo social, no entanto o diretor prefere inserir suas imagens num aspecto fabular e grotesco. As imagens são extremamente saturadas, em tons amarelados e esverdeados, a fábrica é filmada como um depósito de peixe podre, e a fama recente da ex-miss é tratada como um elemento ridículo naquele ambiente – a personagem vai ao trabalho com um casaco de peles e o rosto excessivamente maquiado. Sandra demonstra uma rejeição estética a este mundo, enquanto as duas amigas o aceitam. Entre negação e comodismo, a vida do trio é transformada por uma tentativa de estupro e pela recompensa simbólica ao abuso, quando uma mala cheia de dinheiro é oferecida magicamente à vítima. É curioso como Mulheres Armadas, Homens na Lata não deseja realmente transformar as relações corrompidas entre os sexos, apenas encontrar algum tapa-buraco que postergue a superação dos conflitos.
Um dos aspectos mais interessantes do filme é a maneira frontal de lidar com a castração masculina. Sem explorar o corpo de nenhuma das mulheres, a direção filma em diversos momentos o pênis como símbolo do abismo entre os gêneros, a ponto de vislumbrar um membro cortado no chão e depois sua versão simbólica, ridicularizada, enrolada num guardanapo e colocada sobre a mesa do escritório, como um enfeite qualquer. Não por acaso, o homem castrado imediatamente morre da maneira mais patética possível, enquanto outro, sem ter o dinheiro necessário a uma transação, verbaliza o medo da represália: “Se eu não pagar, eles me capam na hora!”. O receio da ascensão feminina passa pelo desprezo do homem, que se torna dispensável na vida delas: Nadine se vira muito bem sem o marido desempregado, Marilyn não precisa de um homem em sua vida, e Sandra pode conquistar um policial e rejeitá-lo quando bem entender. O pesadelo dessa fábula se encontra no ideal de uma sociedade em que os homens se tornam peças descartáveis.
Por mais que as metáforas sejam um tanto evidentes, o roteiro se encaminha bem até a metade, apoiando-se na sugestão da violência – a máfia, a descoberta do assassinato – e no talento das três atrizes principais, que se completam pelos estilos totalmente diferentes. Cécile de France empresta um tom dramático a Sandra, enquanto Audrey Lamy dispara sua metralhadora verbal e Yolande Moreau aposta no corpo e no rosto extremamente expressivos. Infelizmente, a singela brincadeira é prejudicada por duas ou três revelações bastante acessórias por volta da metade da narrativa, todas relacionadas a Sandra. Estas coincidências desviam a atenção do conflito central para buscarem uma redenção pouco verossímil tanto às mulheres quanto aos homens fracassados, representados por Simon (Simon Abkarian) e por Franck (Michel Masiero). A solução conciliatória se torna ainda mais curiosa devido à vontade de adentrar a violência real, quando um tiroteio (um tanto lento e mal editado) canaliza a vontade de violência do cineasta. Quando os personagens empunham armas e versam sangue, a metáfora da violência social torna-se menos potente, porque explicitada e banalizada.
Deste modo, Mulheres Armadas, Homens na Lata reduz a promessa de empoderamento feminino à solução do enriquecimento súbito – ou seja, ficar com o dinheiro do patrão estuprador. A estrutura social não se transforma para nenhuma das outras mulheres operárias, convenientemente esquecidas pela narrativa. Apenas para as três aprendizes de ladras são beneficiadas pelo golpe do destino. Novamente, oferece-se apenas um contorno provisório ao problema central: converter as mulheres pobres em consumidoras, dar dinheiro aos pobres, ao invés de condições para que superem, sozinhos, a situação de opressão. Mauduit parte de um universo cujo teor grotesco reflete muito bem um sistema corrupto, mas então se perde em suas próprias reviravoltas e no destino que pretende oferecer às três mulheres. Ao diluir as relações de poder, privilegia o sonho da fuga e o road movie entre mulheres tão oportunas quanto oportunistas.