Colecionando memórias
por Barbara DemerovAlém de suas já famosas comédias românticas, a Netflix está ampliando o catálogo de produções originais também na área da animação. Next Gen é um acerto mais do que bem-vindo para o serviço, que em breve contará com mais um concorrente de streaming: a Disney. Portanto, é mais do que coerente tal aposta no gênero, que pode atingir muito mais que o público infantil dependendo do enredo.
Além de belíssima visualmente, com incríveis detalhes e cores, a animação possui uma narrativa bem equilibrada entre momentos cômicos e reflexões significativas, transitando entre o peso que vem da perda de familiares e o excesso de tecnologia. Next Gen pode não ter uma história 100% original (a realidade tecnológica abordada condiz muito com a atmosfera Blade Runner), mas ganha muita força ao apresentar uma humanidade crível através do robô Project 77, que torna-se o fiel (e inusitado) companheiro da jovem Mai.
Devido a amizade entre uma adolescente frustrada e um robô do bem, há um quê de Operação Big Hero e até mesmo de O Gigante de Ferro aqui - mas mesmo com semelhanças com tal relação e situações o filme consegue se desvincular e entregar uma mensagem original. O grande trunfo é a já citada humanidade de Project 77, que vai conhecendo Mai e seus problemas pessoais e, com isso, acaba se apegando às memórias que cria com a menina. Já que o robô tem como descartar arquivos (incluindo lembranças) de seu sistema que se torna debilitado em certo ponto, ele entra em conflito consigo mesmo. O que escolher entre traços que o tornam mais "humano" ou a força de suas armas?
A trama do robô torna-se completamente ligada à de Mai, que perdeu o pai ainda criança e se sente sozinha a maior parte do tempo - pois sua mãe é um tanto quanto ausente devido as tecnologias crescentes da empresa IQ Robotics. A jovem é mais impulsiva e independente que o comum para sua idade, mas Project vai abrindo novas possibilidades para ela gradativamente, o que certamente é um dos elementos mais abordados do filme: a amizade, pura e simples.
A semelhança com Blade Runner não para somente no visual e cai também na questão da tecnologia através dos pequenos robôs feitos pela empresa IQ (cujo líder é, logicamente, o vilão - uma espécie de Steve Jobs obscuro) a fim de dar aos cidadãos um companheiro diário que ajude em absolutamente todas as tarefas diárias. É aí que se encontra a crítica ao excesso de modernidade e a perda de pequenos detalhes do dia a dia - detalhes esses que nos fazem mais humanos e sensíveis quanto a relações interpessoais.
Next Gen passeia por diversos pontos sobre individualidade e coletividade, tornando clara a mensagem de que o que nos torna humanos é justamente a necessidade de dividir e colecionar momentos, não importando se você é uma pessoa de carne e osso ou um robô, neste caso.