PERSISTÊNCIA, SUOR e DETERMINAÇÃO. Estes pilares, empregados com disciplina, abrem as portas para o sucesso financeiro de qualquer pessoa, não é mesmo? Por meio deles podemos adquirir aqueles bens que mais almejamos, a peça de roupa daquela marca tão desejada, o celular mais moderno, o carro do ano, a casa mais extravagante, as viagens mais incríveis. Será? Não é o que se vê em Você Não Estava Aqui.
O drama dirigido por Ken Loach retrata, por uma perspectiva realista e pouco agressiva, o duro cotidiano de uma família comum de classe média no reino Unido, em vias de recuperação da crise financeira de 2008: um casal de rotina penosa e dois filhos - Seb (Rhys Stone) um adolescente mal comportado, e Liza (Katie Proctor) uma menina afetuosa. Rick (Kris Hitchen), pai de família esforçado, submete-se aos modernos padrões de regime de trabalho em sua nova função como motorista entregador de encomendas, que lhe promete a boa autonomia de um "patrão de si mesmo" além de um atraente retorno financeiro, e para tanto desfaz-se do carro da família já bastante endividada para adquirir sua própria van. Sua esposa Abbie (Debbie Honeywood), que trabalha em seu cansativo itinerário como cuidadora, tem de lidar diariamente com pacientes complicados, e é sujeita constantemente a abusos de seus empregadores e clientes, além de se responsabilizar pelos afazeres domésticos em casa. A ausência dos pais, tão ocupados em suas rotinas de trabalho, reflete negativamente na dinâmica familiar e no comportamento de Liza e Seb.
O filme funciona como um retrato sépia, de uma família não muito diferente da sua, sobrepondo a tela de um iPhone. Os reflexos do mercado moderno em suas tendências mais recentes (como a "uberização" e a consequente desvalorização do trabalhador "de base" pelo enfraquecimento dos seus direitos e dos vínculos empregatícios) têm sua história contada não em um drama que retrata a pobreza, a fome ou a guerra. Você Não Estava Aqui não impacta ao apelar para a piedade e o asco. O faz, sim, por meio da empatia que se constrói, sem muito brilho, na identificação com a família "qualquer", com a labuta cotidiana e com a injustiça social que não sabemos a quem culpar.
É no cansaço e penúria de pessoas normais que o filme emite a sua mensagem, à primeira vista acrítica, neutra. Mas esta aparente neutralidade cinza, "pé-no-chão", é o que faz da estória do lar, a Protagonista. A crítica, por se apresentar de forma tão sutil, quase que invisível aos personagens, se torna como que uma coadjuvante quando justaposta à fotografia em sépia da família em seus amores e vicissitudes. A exaustão dos protagonistas, portanto, exibe seu real valor ao nos ser exposta mais em função do amor no lar que em função de uma mensagem política, sem que esta desapareça em momento algum.