Tudo por dinheiro
por Francisco RussoEm 2016, milhões de documentos até então sigilosos, oriundos de um escritório de advocacia localizado no Panamá, abalaram o planeta. Através deles, era possível comprovar a ação de centenas de empresas e dezenas de países em paraísos fiscais espalhados mundo afora, com o objetivo de economizar através de fraudes e evasão fiscal. Três anos depois, o sempre eclético diretor Steven Soderbergh decide pôr a mão neste vespeiro de uma forma bem inusitada: através do sarcasmo.
Afinal de contas, de que outra forma encarar o plano-sequência de abertura, que traz Antonio Banderas e Gary Oldman de smoking e martini em punho, quebrando a quarta parede e dialogando diretamente com o espectador ao longo de vários cenários distintos? A conversa, em tom claro de deboche, de imediato apresenta a importância do dinheiro na humanidade e, de forma até didática, ensaia algumas das táticas que serão apresentadas ao longo dos 96 minutos seguintes. Para tanto, a dupla assume a postura de expert, disposta a desvendar segredos questionados em todo lugar, como a própria narração ressalta.
Dividido em capítulos, cada um representando um segredo a ser desvendado, o roteiro de Scott Z. Burns apresenta variadas esquetes nas quais o protagonista, sempre, toma decisões bem erradas que lhe custam bem caro - por vezes não por culpa da pessoa em questão, mas do sistema no qual está inserido sem perceber. Neste cenário somos apresentados a vários rostos conhecidos do grande público: Meryl Streep, David Schwimmer, Jeffrey Wright, Sharon Stone, James Cromwell, todos desfilando pela tela em participações ora menores ora maiores, sempre com o objetivo de escancarar alguma picaretagem. Mais do que propriamente desenvolver narrativas próprias, cada personagem aqui serve a um objetivo muito específico: denunciar o imenso toma lá dá cá que se tornaram as negociações internacionais, com direito a empresas de fachada e muitas propinas, em negociatas bem longe da legalidade - com direito a citação à brasileira Odebrecht. O alvo principal está pré-estabelecido: os Estados Unidos e sua taxa de juros.
Diante do peso da questão e consciente do economês necessário, Soberbergh e Burns buscam desconstruir o tema a partir do humor, mesmo sem jamais perder o foco na crítica. É neste aspecto que a presença de Banderas e Oldman como mestres de cerimônia é essencial, de forma a conjugar as muitas pontas soltas das historietas de seus coadjuvantes e, ainda assim, ressaltar a magnitude da fraude implementada por tantos anos. Funciona, em parte.
Apesar do esforço em desconstruir o tema de forma a torná-lo palatável ao público médio, A Lavanderia em vários momentos se perde em meio às miudezas técnicas do golpe em questão, em especial quando a personagem de Meryl Streep envereda em sua jornada pessoal. Na tentativa de retomar a conexão com o espectador, o filme explora esquetes mais próximas de seu cotidiano, como a subtrama em que o pai é flagrado com a melhor amiga da filha, na qual não é necessário um conhecimento maior acerca do tema. Diante desta gangorra, o próprio filme torna-se inconstante.
Apesar dos problemas estruturais, é preciso valorizar a criatividade da dupla Soderbergh e Burns na tentativa desta desconstrução de um tema tão profundo a partir do sarcasmo. A reta final ainda entrega ao público um truque muito bem elaborado, em uma sequência onde o filme aos poucos se despe completamente dos efeitos especiais e maquiagem para, de cara limpa, bradar contra a corrupção mundial. No fim das contas, este é o grande objetivo de A Lavanderia: ser um imenso panfleto, que consiga captar corações e mentes em sua jornada ideológica, mesmo que às vezes soe um tanto quanto ingênuo.
Filme visto no Festival de Toronto, em setembro de 2019.