Swallow pode ser traduzido como “engolir” e este título se encaixa perfeitamente ao filme. Incompreensivelmente, o título oficial no Brasil é “Devorar”. Contudo, se fosse necessário reduzir toda a história a uma única palavra, seria exatamente essa, engolir. Hunter, muito bem interpretada por Haley Bennett, é uma jovem mulher, casada com Richie, interpretado por Austin Stowell. Richie não é rico apenas no nome, sua família é abastada e ele é um fiel herdeiro do legado do pai. Seu tempo é precioso, afinal, dirige uma grande corporação, e a atenção que o mesmo pode dar à esposa, é a mínima possível. Esta, por sua vez, vive dedicada ao lar, e aparenta desde sempre um ar misterioso, melancólico e tenso.
Em Swallow, Hunter e Richie formam um casal feliz e que se ama, aparentemente. Ao desenrolar a história, logo percebemos que a esposa se doa completamente ao marido, e recebe em troca todo o luxo e conforto que o dinheiro pode oferecer. O que ela mais sente falta, no entanto, é a atenção do marido, que está sempre ocupado ou disperso com suas outras responsabilidades. A família do marido claramente enxerga Hunter como uma figura decorativa, útil para cumprir seu papel de esposa e nada mais. Quando a mesma descobre que está grávida, seu papel ganha uma maior relevância, deve ser uma ótima esposa e uma ótima mãe.
Em paralelo a notícia da gravidez, Hunter passa a apresentar um comportamento estranho, o de engolir alguns objetos pequenos. Após o organismo expeli-los, ela ainda os guarda, nutrindo uma certa admiração, como se fossem algum troféu. Esse comportamento acaba se tornando uma verdadeira compulsão. De objetos pequenos ela passa a engolir objetos maiores, inclusive pontiagudos. Em uma dessas situações, ela se sente muito mal e é levada ao hospital, onde são retirados inúmeros objetos de seu corpo, para o desespero de seu marido e família. Enlouquecidos com a situação, Richie e seus pais decidem contratar uma psicóloga para tratar da esposa. Como se não bastasse, uma espécie de guarda costas, Luay, também é contratado, para literalmente vigiar Hunter diariamente.
As consultas com a psicóloga não dão nenhum resultado de início. Hunter se mostra bem resolvida, afirma que nunca houve nenhum problema relevante em sua criação que poderia ter desencadeado algum tipo de transtorno, e que ela está super bem. No entanto, a realidade se mostra diferente. Em casa, ela luta para vencer a compulsão, e nas poucas vezes que consegue se livrar de Luay, engole algum objeto.
Com o tempo, porém, a psicóloga começa a conquistar Hunter e alguns detalhes sobre seu distúrbio e sobre sua história, passam a ser revelados. Ela explica que engolir objetos a faz se sentir no controle da situação. Em uma outra consulta, ela conta que seu nascimento foi originado de um estupro, e que sua mãe não a abortou porque a família era muito religiosa e naturalmente contra o aborto. Apesar de carregar uma foto do estuprador consigo, ela garante à psicóloga que superou esse trauma.
Ao ouvir uma conversa de seu marido ao telefone, Hunter descobre que a psicóloga foi contratada para passar as informações de sua terapia a ele. Esta descoberta a leva a mais um surto, onde acaba engolindo um objeto pontiagudo. Logo após engolí-lo, ela passa muito mal e é levada às pressas a um hospital para nova cirurgia. A família de seu marido então, a obriga a se internar em uma clínica de reabilitação por 7 meses. Do contrário, Richie pediria o divórcio. Com a ajuda de Luay, que sentia compaixão pelo que ela estava passando, Hunter consegue fugir de casa antes mesmo de ser encaminhada à clínica.
Na fuga, Hunter tenta contato com sua mãe para pedir abrigo. O que ouve dela, no entanto, é que a casa está cheia e não teria espaço para ela. Seu próximo passo é tentar encontrar seu pai biológico. Ao encontrá-lo, ela o confronta, questionando o motivo dele ter feito o que fez e se sentia vergonha dela. O que ela ouve parece a fazer bem. O filme termina com Hunter realizando o aborto de seu filho e aparentando uma satisfação pessoal até então inédita.
Swallow é um filme que todo amante da psicologia deveria assistir. A forma como Hunter lidou com sua história de vida é chocante e faz todo o sentido. A compulsão em engolir objetos foi uma forma muito interessante de se explicar tudo o que a personagem sentia. O relacionamento com a mãe, com o marido e com a família do marido, são marcados por uma submissão completa. Literalmente, é como se Hunter engolisse toda a mágoa que as pessoas causavam a ela, como o único remédio para seguir em frente.
O seu sentimento de insignificância pela forma como surgiu ao mundo, é reforçado por ela sentir prazer em engolir objetos que causam mal a ela. É como se ela buscasse se ferir por não ser merecedora de uma vida digna. É possível ir mais além. O ato de engolir algo tão difícil e doloroso funciona como uma conquista, um momento raro de orgulho, que traz uma sensação também incomum de poder e de controle para uma pessoa de baixíssima auto estima. Tanto que os objetos, após expelidos, são guardados como troféus. Sensação de poder essa, que também foi experimentada pelo próprio pai, quando explica o que sentiu ao ter realizado o estupro.
Outras reflexões que ficam são, quantas mulheres não se sentem tão submissas ao casamento quanto Hunter, cada uma à sua maneira e com seus próprios distúrbios? Isto explicaria a cena final, focada em mulheres que entram e saem de um banheiro feminino onde um feto acabou de ser abortado? Porque será que Hunter só encontrou compaixão em uma mulher negra e em um imigrante sírio? Seriam estas, peças colocadas ao acaso ou outros grandes méritos do enredo?
Também não se pode deixar de citar em Swallow, a competência da direção em criar um ambiente tão tenso e melancólico como deveria ser, através de uma excelente fotografia e direção de arte, como um todo.