Casablanca é um mundo utópico, uma grande metáfora sobre a vida que é ao mesmo tempo, o limbo ligando o inferno ao paraíso.
Em "Adaptation" de Spike Jonze, "Casablanca" é referenciado como uma obra-prima para aqueles que querem estudar e criar um roteiro, a consideração é feita pelo professor de roteiros Robert McKee (Brian Cox), e sem dúvidas: é.
O clássico de 1942 dirigido por Michael Curtiz, atravessa os séculos como máxima referência da sétima arte, principalmente pelo desenvolvimento de sua história, um primoroso roteiro que segue a estrutura clássica linear (começo, meio e fim), e que sabe tirar partido disso ao provocar pequenas quebras da linearidade, ao desenvolver uma história dramática, cujo passado não conhecemos, mas que é peça fundamental e que interfere nas decisões e nas características de uma personagem, e um futuro incerto, mas com possibilidades claras. Sabemos os caminhos disponíveis para os protagonistas, mas qual será o escolhido e o motivo, isso só conheceremos ao término da película. O roteiro é baseado na peça "Everybody Comes To Rick's", sendo desenvolvido em três mãos, por Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koc. Uma curiosidade é que o texto da peça só chegou a ser montada (anos) depois, e os direitos para o cinema foi um dos maiores valores pagos na época.
Uma grande sacada do roteiro é justamente não se levar tão a sério, "Casablanca" inicia com uma narração irônica, próxima das comédias que parodiam guerras, e em diversos momentos temos esse ar jocoso nos diálogos das personagens, tal como Richard Blane (Humphrey Bogart) que satiriza sua condição de homem abandonado ou da condição transitória e de espera da grande sala de conexões que é o "aeroporto Casablanca". Porém, o roteiro comete o deslize justamente ao querer apresentar o mundo externo através de flash black, um recurso que não agrega nada de interessante ao filme, mas é uma saída fácil para tentar esclarecer fatos importantes do passado, ainda assim, algo que um roteiro tão brilhante e uma direção precisa, poderiam ter solucionado com outros meios.
Um recurso próspero utilizado para compor a iluminação do filme, é a ideia da lanterna de um farol, que reflete seu giro por toda aquela cidade, embora espacialmente falando, a luz desse farol revela que Casablanca é tão curta quanto a extensão entre dois braços abertos, porém, é clara a proposta do diretor Michael Curtiz que com a direção de fotografia de Arthur Edeson, criam uma atmosfera de ocultismo, e que tal como as personagens, só temos vestígios de sombras, não são claras, tal como os lapsos de iluminação, que pouco a pouco revela algo. Outro ponto que colabora na iluminação e fotografia adotada, é a total superficialidade empregada, estamos em uma cidade do Marrocos, onde a luz solar é forte e farta, mas como "Casablanca" foi rodado em estúdio, e também se propõe aos traços de uma cidade superficial, sua iluminação é composta por abajures, lustres, lamparinas, brilhos e faróis e raramente temos reflexos do sol. Essa artificialidade é sentida igualmente na direção de arte realizada por Carl Jules Weyl, que dentro do que seria cenários internos e externos, trabalha com oposições muito definidas, nos ambientes internos temos a riqueza de detalhes, como no bar "Ricks Café American" ou "Club Owner Signor Ferrari", nesses ambientes tudo é muito luxuoso e grandioso e bem explorados em planos abertos ou na minúcia de close's revelando um belo trabalho de composição de imagens e de Mise en scène.
A trilha sonora é marcada pelo clássico "Como o Time Goes By" e La Marseillaise, o hino nacional da França. Ambos ganham "status" para além de trilha sonora, tornam-se “leitmotiv”, e gerando certo incômodo, no terceiro dedilhar de La Marseillaise mais do que saber que ali estão os franceses ou que é uma busca de enaltecer a França, sabemos que é uma insegurança por parte do diretor de esclarecer pontos que já se estabelecem seja pele local frequentado ou pelo fardamento que as personagens utilizam (exemplo: diferenciar soldados alemães dos franceses). Porém, o ápice de exaltação do hino nacional da França, ocorre quando é utilizado para provocar os Alemães, capaz até de unir os franceses que estão no Rick café e sob domínio Alemão.
Humphrey Bogart como Richard Blane, Ingrid Bergman como Ilsa Lund Laszlo e Paul Henreid como Victor Laszlo, conseguem se destacar individualmente, e as origem estrangeira de cada ator favorecem o jogo clandestino e migratório inerente ao filme. Se separadamente cada ator se destaca, a combinação em um triângulo amoroso funciona ainda mais, e divide muito o espectador para o favoritismo amoroso da personagem de Ilsa, pois, tanto o charmoso Blane e o heróico Victor são carismáticos e com qualidades divergentes, mas que juntos só complicam ainda mais uma posição que colabore em determinar com quem Ilsa deve ficar. Nenhum destes personagens tombam em uma balança maniqueísta para o lado ruim. Alguns são cínicos, algumas mentiras, alguns matam, mas todos são resgatados e suas decisões, por mais que difíceis, são fáceis de entender.
Casablanca é um mundo em miniatura, em que desejos, pecados e impulsos básicos universais, para o bem e para o mal, estão envolvidos em “glamour”, “suspense” e estilo.