O silêncio enervante e o barulho mortal
por Bruno BotelhoO que deixa um terror eficaz em causar medo no público? As respostas são relativas, alguns diriam que são os sustos inesperados – chamados de jump scares –, outros que é a criação constante de tensão. Um Lugar Silencioso surgiu em 2018 de forma surpreendente e foi aclamado pela crítica internacional por causa de sua atmosfera enervante, o que o tornou um dos filmes marcantes de terror psicológico. Com todo esse sucesso, Um Lugar Silencioso - Parte II (2021) tinha uma responsabilidade enorme nas costas de manter a qualidade do anterior e expandir esse universo. Será que John Krasinski conseguiu?
Em Um Lugar Silencioso - Parte II, logo após os acontecimentos mortais do primeiro filme, a família Abbott (Emily Blunt, Millicent Simmonds e Noah Jupe) precisa agora encarar o terror mundo afora, continuando a lutar para sobreviver em silêncio. Obrigados a se aventurar pelo desconhecido, eles rapidamente percebem que as criaturas que caçam pelo som não são as únicas ameaças que os observam pelo caminho de areia.
Um Lugar Silencioso - Parte II não é tão expansivo na história, mas é muito eficaz na execução
O universo pós-apocalíptico apresentado em Um Lugar Silencioso, de 2018, mostrou um potencial enorme com seus monstros assustadores, mas focou na história de uma família que precisa se manter unida e em silêncio para sobreviverem. Por isso, o roteirista e diretor John Krasinski tinha a missão nada simples de explorar melhor esses elementos de terror em Um Lugar Silencioso - Parte II. Ele começa de forma visceral explicando a origem dos monstros e como eles foram desenvolvidos ao retroceder a narrativa para o primeiro dia da invasão alienígena, nos melhores moldes do romance clássico A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, que foi adapatado para o cinema em A Guerra dos Mundos (1953) e Guerra dos Mundos (2005).
Depois desse prólogo repleto de ação e tensão, a história volta a acompanhar a família Abbott sobrevivendo ao cenário devastador cheio de ameaças monstruosas. Vemos Evelyn (Emily Blunt) e seus filhos Regan (Millicent Simmonds) e Marcus (Noah Jupe) mais preparados e acostumados a lidarem com as adversidades, especialmente agora que estão sem Lee (John Krasinski) e Beau (Dean Woodward), mortos, e precisando cuidar do bebê que vimos nascer no primeiro filme.
A partir disso, o enredo vira uma continuação natural que não é muito diferente da sobrevivência pós-apocalíptica que vimos anteriormente. Krasinski, então, supera essa "falta de originalidade" com uma execução primorosa e, principalmente, a adição do personagem misterioso Emmett (Cillian Murphy). O núcleo passa a ser dividido em dois segmentos interessantes com a dupla Emmett e Regan em busca de novos horizontes (e uma possível salvação) – lidando com adversários alienígenas, mas também humanos – e Evelyn com seu filho Marcus precisando cuidar do bebê em confinamento, mas não muito tempo em segurança.
John Krasinski é um ator que surgiu da comédia (alô, The Office) e alçou grande voo na direção com o primeiro Um Lugar Silencioso, que para um cineasta sem grande experiência foi uma grande surpresa ele conseguir conduzir perfeitamente o clima de tensão constante durante toda a produção. Por incrível que pareça, a sequência mostra uma evolução clara de Krasinski, claramente com mais confiança no posto de diretor e apostando ainda mais nos elementos de terror – principalmente na ameaça dos monstros alienígenas, que aparecem ainda mais imponentes e ameaçadores mirando fortemente na claustrofobia de Alien, o 8º Passageiro (1979).
Um Lugar Silencioso - Parte II é uma continuação tão enervante quanto o primeiro capítulo
Um Lugar Silencioso conseguiu grande êxito principalmente pelo trabalho brilhante da edição de som ao utilizar o silêncio como um aspecto para a criação constante de tensão e fazer com que qualquer barulho fosse ainda assustador – uma coalisão perfeita entre a parte técnica e a parte narrativa do filme. A segunda parte continua apostando nessa fórmula com a mesma excelência, reforçando a mudança recorrente de perspectiva para o ponto de vista da adolescente com deficiência auditiva, Regan, como uma forma de provocar a inquietude e medo no público. Vale lembrar que a atriz Millicent Simmonds é portadora de deficiência auditiva na vida real. É o tipo de experiência ideal para se ter na melhor sala de cinema disponível – o que, infelizmente, a pandemia dificulta bastante.
As atuações são um dos maiores destaques da produção, com todos os principais atores desenvolvendo de forma convincente seus personagens. Ressalto o trabalho de Emily Blunt, que consegue passar para o público todas as nuances de Evelyn, do desespero de uma mãe protegendo seus filhos até a calmaria necessária para realizar movimentos calculados que não coloquem em risco a vida deles. Cillian Murphy de Peaky Blinders foi uma aquisição inteligente, como um personagem misterioso que passa a não se importar com os outros até ir recuperando sua empatia por causa da relação com a jovem Regan. Millicent Simmonds ganhou mais protagonismo e entrega uma personagem corajosa e destemida em busca de salvação, mostrando que a narrativa é principalmente sobre família.
A expansão do universo ficou, principalmente, para o começo do longa com o epílogo explicando a origem dos monstros (como falei anteriormente) e para o final da produção com Emmett e Regan encontrando respostas importantes para lidar com essas ameaças. Esse término é importante para configurar o spin-off da franquia Um Lugar Silencioso que vai ser lançado em 2023 e dirigido por Jeff Nichols, de O Abrigo (2011) e Amor Bandido (2012). Ou seja, podemos esperar muitos outros momentos de angústia...
Um Lugar Silencioso - Parte II não é tão original em sua história quanto o primeiro filme e nem tão expansivo para a franquia quanto se esperava, mas se destaca fortemente por causa de uma execução primorosa e eficaz que consegue prender o público com sua atmosfera sufocante de tensão crescente. A produção faz com que nos importemos com a família Abbott mais uma vez, explorando mais o lado aterrorizante dos monstros pós-apocalípticos e fornecendo excelentes deixas para os futuros longas aproveitarem. Um terror e suspense psicológico de primeira linha!