Sacrifício ao amor
por Bruno CarmeloLéo (Félix Maritaud) se apaixona com facilidade. O rapaz de 22 anos é capaz de encontrar um homem na rua e imediatamente querer abraçá-lo, dar carinho. Mesmo quando o rechaçam, ele ainda acredita em seus sentimentos, e insiste. O problema, neste caso, é o fato de Léo ser um garoto de programa de baixa renda, que se prostitui pelos bosques da cidade e, muitas vezes, dorme na rua. Enquanto outros profissionais do ramo pensam apenas em fazer o serviço, pegar o dinheiro e ir embora, nosso herói é um romântico, enxergando em cada cliente um relacionamento em potencial.
Em seu primeiro filme como diretor, Camille Vidal-Naquet parte de uma oposição para chegar a uma equivalência. Por um lado, nos aspectos corporais, Léo é uma máquina quase perfeita, capaz de fazer sexo com qualquer homem, ter uma ereção sempre que necessário, aguentar fetiches violentos, além de beijar na boca, ferindo um código ético comum à profissão. Por outro lado, em sua constituição afetiva, revela-se de extrema fragilidade, transparecendo carência, ingenuidade e falta de amor próprio. Léo se entrega por completo: seu coração é tão potente e disponível quanto seu pênis.
Esta separação é necessária para o discurso sobre a equivalência entre sexo e amor. Contra o pensamento popular que os separa em categorias opostas, o filme propõe a tese de que o sexo pode ser sinônimo de amor, de entrega emocional. Talvez por isso Léo se sinta infeliz quando encontra clientes agressivos demais, para quem o sexo é um instrumento de poder. A prostituição, como qualquer serviço, depende de uma diferença de posição entre ambos os lados – uma oferta e uma demanda -, mas o personagem acredita na possibilidade de amar a todos, e a qualquer um, numa utopia tão sexualmente voraz quanto afetivamente utópica.
O cineasta faz do corpo de seu protagonista o material primário do filme. O único limite ao prazer é a violência e a doença, em outras palavras, o flerte com a morte. Sem surpresa, a narrativa apela a ambos, utilizando sangue, sêmen, feridas na boca e cortes na cabeça para representar o perigo da profissão e os limites da entrega total. O garoto de programa praticamente não sofre transformações psicológicas ao longo da trama, mantendo-se ingênuo e dependente – ele não toma iniciativas, apenas acata ordens ou sugestões alheias – mas seu corpo é modificado, testado, utilizado. Léo é um mártir em nome do amor, um corpo sacrificado pela conjunção entre carne e alma.
No que diz respeito à estética, o início sugere uma abordagem ultrarrealista, com câmera na mão e luz natural, mas logo percebemos que a espontaneidade passa longe das imagens deste filme. Quando Léo se prostitui, o olhar distanciado e as lentes teleobjetivas sugerem voyeurismo, mas nos momentos de sexo, o enquadramento toma o máximo cuidado para não se tornar explícito (e qual seria o problema, afinal, em ter sexo explícito num filme sobre a entrega dos corpos?). O sexo é filmado de maneira desconfortável, cerebral demais, ao contrário dos momentos de afeto, muito mais verossímeis. Uma cena, em especial, carrega toda a originalidade e carga metafórica que se esperaria deste projeto: quando passa em consulta no hospital, o protagonista não se contém durante uma auscultação e abraça a médica, num belíssimo gesto desesperado.
É uma pena que instantes como este sejam raros num filme que se contenta em observar, acompanhar o protagonista vivendo apenas o tempo presente. Léo não tem um corpo, ele é um corpo, sacrificado em nome da jornada de purificação próxima do êxtase religioso – vide a construção da Pietá rumo ao final. Quanto à ideia de liberdade, talvez seja questionável defender que o rapaz seja de fato livre: embora não tenha amarras familiares ou burocráticas, ele dispõe de poucas escolhas, o que freia o significado real do termo. Mesmo assim, ele serve como exceção que confirma a regra, o contraexemplo de uma figura que transborda de amores numa era de cínicos e individualistas.
Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.