Os amantes revolucionários
por Bruno CarmeloO título original deste drama cazaque, “A gentil indiferença do mundo”, pode soar vago, mas descreve muito bem sua abordagem. O jovem diretor Adilkhan Yerzhanov parte de um cenário de desigualdade social e exploração capitalista, porém surpreende ao tratar a situação de modo leve, mesmo lúdico. Ao invés de levantar bandeiras, o cineasta insere sua mensagem progressista dentro de uma fábula à beira do realismo fantástico.
Por mais que a narrativa parta de uma configuração evidentemente política, ela deve chamar a atenção sobretudo pelas escolhas estéticas. Em formato scope, as imagens são cuidadosamente compostas, em simetria perfeita destinada a ressaltar não apenas os espaços, mas também a artificialidade do dispositivo. Numa planície vazia, a heroína (Dinara Baktybayeva) passeia com um vestido vermelho e guarda-chuva amarelo, destoando do cenário, enquanto no momento seguinte, o herói (Kuandyk Dussenbaev) luta com outros homens por dinheiro, no centro exato do enquadramento. Existe um aspecto teatral, excessivamente controlado, em todo o conjunto. O tom satírico flerta voluntariamente com o patético.
Estas escolhas garantem a cota de humor que atenua a jornada trágica. Ambos os personagens enfrentam o sistema, cada um a seu modo: Saltanat recusa o casamento com um homem milionário que poderia tirar a família da miséria, enquanto Kuandyk decide enfrentar os patrões e agricultores mafiosos para impedir o monopólio da utilização da terra. Eles rompem com as regras tanto na esfera familiar quanto social, tanto pública quanto privada. Os atos de resistência trazem consequências graves, que a narrativa ilustra de maneira frontal e distanciada ao mesmo tempo, graças aos recursos pouco naturalistas da mise en scène.
A possibilidade de união entre estes revolucionários improvisados ocorre através do amor e da arte. “A gentil indiferença do mundo” é uma frase extraída de Camus, um autor apreciado por ambos. Ao longo da narrativa, o filme utiliza outras formas de arte para expressar sentimentos, como o desenho e o teatro de máscaras, que irrompem de forma artificial na história. Yerzhanov consegue unir, desta maneira, a arte e a política, como se as pessoas sensíveis fossem as únicas capacitadas para combater a arrogância dos homens de poder – estes devidamente parodiados como figuras impotentes e infantilizadas.
O formalismo excessivo pode afastar alguns espectadores, assim como o uso de arquétipos sociais tão esquematizados. Neste projeto, os personagens possuem funções narrativas ao invés de construções psicológicas individuais. Não se pode esperar qualquer comentário específico sobre a situação do Cazaquistão, nem sobre conflitos étnicos e sociais na Ásia. O filme trabalha com conceitos universais de exploração, desigualdade e luta de classes, apresentadas de modo heróico, tão ingênuo quanto seus protagonistas. Ele representa, consequentemente, uma obra que privilegia a moral à História, defendendo a igualdade entre indivíduos e a abolição de hierarquias sociais. Em outras palavras, uma doce fábula progressista em meio ao incrédulo e cínico século XXI.
Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.