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    Tarde para Morrer Jovem
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Tarde para Morrer Jovem

    As descobertas da adolescência

    por Bruno Carmelo

    O primeiro elemento que chama atenção neste drama é a própria imagem. A diretora Dominga Sotomayor trabalha com um formato de tela próximo do quadrado, mas utiliza essa limitação para representar, curiosamente, um espaço muito amplo. Em cada enquadramento há uma infinidade de personagens e ações acontecendo em diferentes camadas: enquanto os adultos consertam as mangueiras em primeiro plano, um adolescente toca violão sentado numa pedra um pouco atrás, e ao fundo as crianças brincam com o cachorro. Há muito para olhar e deduzir através de imagens e sons.

    É interessante a sensação de que os enquadramentos existem não para criar um universo, e sim para organizar o caos à frente da câmera. A cineasta possui um talento impressionante para as composições, sempre muito bem estruturadas em planos fixos, ou levemente móveis, deixando ao espectador completar o sentido de cada imagem pelos diálogos e ruídos no espaço fora de quadro. Com a ajuda de elementos estruturantes – paredes das casas feitas de vigas vazadas, casas na árvore – ela cria diversos planos-dentro-do-plano, fornecendo ao espectador um banquete de estímulos em cada cena. A sensação é aprofundada pelo tratamento impressionante das luzes naturais e das cores dessaturadas, como se folheássemos um álbum em que as fotos começam a desbotar.

    Tamanho apuro estético serve a retratar uma história de simplicidades, como as descobertas da adolescência. Neste filme coral, com mais de uma dúzia de personagens em cena, os protagonistas são crianças lidando com o desaparecimento do cão, um jovem músico sofrendo com o primeiro amor não correspondido, uma adolescente experimentando drogas, sexo e a possibilidade de fuga. Os espaços são abertos, fluidos, assim como a noção diluída do tempo: mesmo as crianças pequenas deslocam-se por onde querem, pelas estradas e floresta, entrando e saindo de casa sem maior preocupação dos adultos. Nestas férias de 1990, todas as experiências são permitidas. Tarde para Morrer Jovem busca resgatar aquele verão em que todos passam por vivências determinantes para a maturidade.

    O elenco é conduzido com uma segurança que tem se tornado comum aos maiores filmes latino-americanos recentes. Ao lado de atores consagrados, em presenças sempre muito naturais (Antonia Zegers, Alejandro Goic), as crianças manifestam expressões simples e realistas, deixando à câmera a responsabilidade de captar as mínimas modificações no rosto, ao invés de solicitarem aos pequenos atores uma grande variedade emocional. O registro da adolescência é bastante cru, o que convém à atmosfera de dúvidas e incertezas. A natureza contribui à impressão de transformações: fala-se num cavalo encontrado morto no rio, mas ninguém vê o cadáver do animal, enquanto o querido cachorro da família teria aproveitado as férias familiares para traçar sua própria fuga.

    Entre tantas metáforas bem abordadas, talvez apenas a questão da ditadura militar tenha recebido um tratamento discreto demais. A trama se passa no ano exato em que o Chile retoma a democracia, e este fator soa importante aos criadores – vide a apreensão dos adolescentes quando cruzam dois militares na estrada. No entanto, exceto por este momento, nenhum outro permite inserir os dramas juvenis de Sofía, Lucas e Clara num contexto nacional específico. A conclusão, comparando habilmente o poder do fogo e da água, deixa claro que o foco de Sotomayor se encontra na natureza como símbolo de mudanças na vida dos protagonistas.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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