Vapor barato
por Bruno CarmeloA primeira cena causa um estranhamento considerável: um grupo de amigos está sentado na areia da praia, conversando, tocando música. A aparente naturalidade do cenário se contrasta com os diálogos artificiais; o suposto despojamento do tratamento de som deficiente contradiz as tentativas bruscas da câmera em encontrar novos enquadramentos dentro do quadro, buscando imprimir dinamismo neste encontro entre pessoas sentadas no mesmo lugar. Verão em Rildas começa opondo a natureza e o artifício, o amadorismo como escolha ou como falta de escolha.
A confusão se mantém ao longo de todo o projeto. Para um filme profissional, com lançamento no circuito comercial, as imagens são surpreendentemente simplórias em sua escolha de ângulos, iluminação, tratamento de som e montagem. Os atores, claramente não profissionais, entoam frases acessórias em torno de um festival artístico que pretendem organizar em Rio das Ostras. Nada em torno deste conflito soa minimamente crível: eles desconhecem a necessidade de montar um projeto escrito, convidam o primeiro poeta que aparece na frente a se apresentar, tiram dinheiro sabe-se lá de onde. O festival é um falso pretexto para uma sucessão de cenas com os protagonistas reunidos em casa, na praia ou numa cachoeira, conversando no piloto automático sobre a organização de projetos artísticos.
Os filmes de estética caseira, com som e luz deficientes, sempre foram importantes na história de cinema como possibilidade de experimentação, de radicalismo estético. O baixo orçamento implica menor responsabilidade de retorno financeiro, de prestar contas a quem quer que seja. Ora, Verão em Rildas não explora sua textura amadora de nenhuma maneira relevante. Pelo contrário, o diretor Daniel Caetano aposta numa sequência linear e clássica de diálogos posados. Os personagens são desprovidos de complexidade e diferenciação, soando incapazes de levarem a termo o projeto de que falam. Diante de tamanho despreparo, o roteiro transmite uma ideia caricatural da juventude progressista incapaz de executar qualquer ação concreta e, portanto, de efetuar qualquer mudança social. Na repetição de conversas vagas e aleatórias, desenha-se um hedonismo letárgico.
Isso vale especialmente para o momento em que o filme apresenta o seu verdadeiro tema: a controvérsia real em torno da apresentação “Xereca Satânica”, quando uma artista costurou a própria vagina diante de estudantes da UFF num festival. Caetano insere o ato na narrativa fictícia dos jovens, fornecendo em seguida uma cena de cunho documental na qual se debate o caráter artístico do projeto e as reações conservadoras à performance. Este momento incomoda por dois motivos: primeiro, porque não se insere organicamente na narrativa que o antecede, criando um contraste evidente de tom e discurso, e segundo, por colocar os protagonistas em posição inconsequente: eles dizem que não viram nada acontecer, não estavam presentes, não sabiam do conteúdo da apresentação. Em outras palavras, não pensam duas vezes antes de se dissociarem do projeto.
Verão em Rildas revela-se contraproducente: quando deseja tocar em assuntos verídicos e políticos, impede o aprofundamento no tema – a suposta pressão institucional evocada por um personagem sequer é vista em imagens -; quanto opta por uma linguagem cinematográfica típica da urgência e do engajamento, limita-se à narração tradicional do conflito. Esta seria uma oportunidade perdida de debater o papel social da arte, na época em que a cultura é cada vez mais atacada por grupos conservadores – vide a inacreditável censura ao quadro "A Origem do Mundo", pintado por Courbet no século XIX. Verão em Rildas isenta-se de responsabilidade quanto à estética, à política, aos fatos, ao discurso. Sobra pouca substância à diversão entre amigos.