O essencial também é perceptível aos olhos
por Barbara Demerov"O que te faz ser criativo?" é o que pergunta o diretor Hermann Vaske para mais de 50 personalidades do mundo artístico, às vezes sem muitas delongas. Ao longo de 30 anos, diretores, produtores, atores, escritores, pensadores, manifestantes e pintores responderam à pergunta de maneiras diferentes - umas sem pestanejar, outras com surpresa -, mas todos dividiram um ponto em comum: a vontade de pensar. O resultado de cada reação está registrado no documentário Por que somos criativos?, que nasceu de um questionamento simples, mas que possui uma imensa carga.
Por mais difícil que seja para algumas personalidades explicarem as razões pelas quais compartilham sua criatividade da forma que fazem, todas, salvo algumas exceções, demonstram prazer ao responder esta simples pergunta de poucas palavras. De Angelina Jolie a Nelson Mandela, de David Lynch a Marina Abramovic, o espectador pode se encontrar no que é proferido pelos entrevistados - especialmente se quem estiver assistindo trabalhe na área cultural e saiba como as dificuldades externas interferem. O documentário é afiado ao transformar aquelas estrelas do mundo da arte em pessoas "comuns", que também possuem ou já possuíram os mesmos receios que muitos ao redor do mundo.
Como a indagação de Vaske é complexa, ela também carrega outros direcionamentos além das motivações que levaram os artistas a chegarem até ali, ao momento das entrevistas. Por isso, questões como a força de continuar trabalhando sem receber dinheiro em troca, a falta de confiança em si mesmo (ou a que vem dos outros e acaba afetando o íntimo do artista) e a desistência de antigos sonhos que não "combinam" com o mundo real se fazem presentes basicamente o tempo todo, permeando pelos apontamentos de cada depoimento. Simultaneamente, os obstáculos descritos misturam-se com afirmações cheias de confiança, como é o caso do diretor Quentin Tarantino. "Eu acho que é um dom", ele responde, de forma honesta e que não soa tão prepotente assim.
O diretor monta uma cronologia interessante e que mostra o crescimento de seu projeto de décadas, que foi criado como algo puramente pessoal. Felizmente, ele compreendeu que alcançar o que está no âmago do próximo, seja ele de qualquer área artística, é tão interessante e promissor quanto entender a si mesmo. O que importa, no fim do dia, é compartilhar sentimentos, pensamentos, memórias e criatividade.
Por que somos criativos? ainda consegue inserir uma contraposição valiosa e que diz muito sobre o preconceito e desconhecimento para com artistas: em meio a tantos depoimentos inspiradores recolhidos ao redor do mundo, o diretor também foi procurar respostas com políticos, e a surpresa vem em grande escala. George H. W. Bush, por exemplo, demora um bom tempo para entender o sentido da palavra "criativo" e replica dizendo que não possui tal característica. A diferença nas respostas entre um presidente e um pintor é gritante, mostrando que a arte não muda a vida de todos como deveria fazer. Se os artistas possuem uma visão de mundo ampla devido ao processo de trabalho que possuem, o mesmo não pode ser dito de quem atua em áreas diferentes.
Ao entrar em contato com uma boa parcela de pessoas influentes, Vaske cria um trabalho único apenas por mergulhar em seus pensamentos. Se a criatividade une as pessoas, seu documentário consegue ampliar este alcance a níveis inéditos, tornando simples o que para muitos parece ser impossível: a quebra de barreiras para falar sobre o que é intrínseco no ser humano.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.