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    Missão 115
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Missão 115

    A herança nefasta da ditadura militar

    por Bruno Carmelo

    O documentário de Sílvio Da-Rin chega aos cinemas num momento crucial da política brasileira. Às vésperas da eleição que determinará o sucesso de Michel Temer na presidência, o líder das pesquisas se encontra preso por motivos contestados em cortes internacionais, e o segundo lugar, isolado nas intenções de voto, é um militar conhecido pelas evocações saudosas a torturadores, e defensor do Estado como aparelho repressivo. Os votantes deste candidato parecem encontrar nele não apenas a figura paterna autoritária, desejada em momentos de crise, mas também a imagem contrária à corrupção dos políticos “profissionais”. Seja por ignorância, ou por uma vontade de crença que desafia os fatos, preservam a lenda de funcionalidade e retidão moral dos militares entre 1964 e 1985.

    Missão 115 oferece material de sobra para contestar essa versão. Através dos atentados do Riocentro em 1981, com os quais os militares pretendiam culpar a esquerda e se prolongar no poder, traz documentos e depoimentos claros sobre o terrorismo de Estado, no sentido amplo de crimes de massa cometidos contra a sociedade. Não podemos ser inocentes, entretanto: assim como Soldados do AraguaiaO Dia que Durou 21 Anos e outros filmes esclarecedores sobre o tema, o projeto tende a se comunicar com o público receptivo às teses anunciadas. Em outras palavras, ele deve aprofundar o debate, reacender uma chama política, mas dificilmente convencerá novos indivíduos sobre as virtudes da democracia direta e popular. Qual adorador da ditadura correria às salas de cinema para ser confrontado, num momento em que o debate de ideias se torna tão rarefeito?

    Questões de comunicabilidade à parte, o resultado ostenta qualidades raras para um filme-denúncia. Ao invés de depoimentos coléricos ou lacrimosos, o espectador encontra uma sucessão de falas calmas, distanciadas, daqueles envolvidos no caso - advogados, historiadores, testemunhas e mesmo um militar que confessa os crimes. O diálogo se efetua na chave da razão, ao invés da emoção. Os crimes da ditadura são evocados como fatos, enquanto as interpretações trazem uma bem-vinda abertura a discordâncias. Quando se estuda as consequências do ataque ao Riocentro na reabertura democrática e mesmo na queda de Dilma Rousseff, décadas mais tarde, especialistas inteligentes e bem articulados divergem sobre o uso da palavra “golpe” e sobre o significado do impeachment.

    Missão 115 se mostra, portanto, receptivo a discussões. Sua tese progressista e crítica à ditadura militar permite a análise esmiuçada da transição à democracia, repleta de documentos, artigos de jornal e imagens de arquivo. Em termos de estrutura, Da-Rin apoia-se na tradicional sucessão de “cabeças falantes”, ainda que registradas em fotografia e cenografia elegantes, funcionais. O uso dos artigos da imprensa, com discretas manipulações digitais para favorecer a visibilidade, também opera de maneira convincente. O ritmo é bem orquestrado, incluindo um respiro entre os depoimentos e buscando diferentes ângulos ao longo das entrevistas na intenção de produzir um efeito mais dinâmico.

    Às vezes, a montagem torna-se confusa (caso da cena inicial) ou repetitiva, com três entrevistados proferindo frases muito semelhantes (sobre o fato de os militares não estarem dispostos a abrir mão do poder, por exemplo). Em outros momentos, sobrepõe o som de depoimentos a letreiros que, por sua vez, se sobrepõem às linhas de um jornal, dificultando a compreensão. Entre estes trechos insere-se a contestável cena fictícia de um homem soturno, de costas, criando uma bomba e queimando arquivos comprometedores, ao som de música de suspense. Apesar destes instantes mais fracos, o filme se conclui de maneira ambiciosa, capaz de enxergar a política brasileira tanto em pormenores históricos quanto numa perspectiva global, que atravessa décadas e aponta tendências do funcionamento político-social brasileiro.

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