O coletivo de tempo
por Bruno CarmeloO que está acontecendo quando nada acontece? De que maneira as esperas nas filas dos serviços, dentro do transporte público, nos teatros antes de uma apresentação afetam as pessoas, moldam a nossa percepção do tempo e do espaço? O tema de Espera parece amplo demais, e de fato é. Felizmente, Cao Guimarães não pretende fornecer saídas simples. Pelo contrário, ele se dedica a elaborar perguntas, fazendo com que imagens muito diferentes dialoguem entre si através da montagem e da relação universal com a dilatação do tempo. Se a invisibilidade da espera pode parecer pouco cinematográfica, a articulação do tempo, por sua vez, constitui a própria essência do cinema.
Na cena inicial, o espectador contempla pessoas que não sabem contemplar. Dentro de um teatro, o público sentado conversa, mexe freneticamente nos telefones celulares, tira selfies. É preciso “matar o tempo”, preenchê-lo: a pós-modernidade tem horror do vazio. Talvez por isso o retrato da sociedade seja tão bem explorado neste documentário pela nossa relação com a tecnologia, a máquina pública, os procedimentos médicos. Trata-se de processos longos, em constante desenvolvimento, o que implica a necessidade de acatar uma demora inerente ao funcionamento das coisas. Mas as pessoas retratadas se sentem angustiadas, ou entediadas, com a falta de ação. A espera é vista como o avesso do espetáculo.
É tentador dizer que o projeto aborda a estética dos “tempos mortos”, mas um tempo só pode ser considerado morto em justaposição com outro, vivo, que lhe confere o aspecto de calmaria e banalidade. Quando tudo é repouso, nada é. Quando tudo é calmo, nenhum momento é propriamente “morto”. Espera desperta uma sensação curiosa: ao se focar apenas em instantes anticlimáticos, faz com que cada detalhe se torne um evento. Ao nos depararmos com os primeiros pêlos faciais de Gael Benitez, um homem trans iniciando o tratamento hormonal, isto é percebido como um clímax. Dentro de cada cena, o tempo estabelece suas próprias hierarquias e narrativas.
Guimarães poderia edulcorar o banal, tentar mostrar como ele é especial ou importante - ao exemplo da estética indie norte-americana. No entanto, o cineasta prefere mostrar o banal pelo que é - banal, enfim, calmo, anódino. Não se trata de disfarçar o tédio, a angústia, a dilatação, e sim abraçá-los pelo que são. A abordagem se revela tão respeitosa quanto humilde na maneira frontal de filmar Benitez, ou então Daniela, dormindo numa clínica do sono, ou ainda uma mulher costurando dentro da balsa entre Buenos Aires e Montevidéu. Enquanto as cenas se sucedem, elas dialogam por suas particularidades: algumas esperas provêm de ações voluntárias, outras não; umas produzem felicidade, outras geram angústia; algumas são controláveis, outras imprevisíveis.
Se há um porém nesta fértil investigação sobre o tempo é a narração do próprio diretor. Apesar de articular ideias complexas, o ritmo das frases é lento demais, excessivamente articulado e professoral, sugerindo um aspecto educativo que pouco corresponde ao livre fluxo das imagens. Ah, claro, a narrativa faz o espectador aguardar até a conclusão dos créditos. O filme não é apenas uma apreensão da espera, nem somente um estudo sobre a espera; ele constitui uma proposta de espera. Enquanto os créditos aparecem, novas imagens suscitam a nossa atenção, sem caminhar para um desfecho anunciado. Elas poderiam parar antes, ou continuar indefinidamente. Em meio à falta de controle, à aleatoriedade deste trecho, se condensa a proposta do filme inteiro.