Histórias de um malandro paulistano
por Bruno CarmeloComo sugere o título, o documentário sobre o sambista Adoniran Barbosa concentra-se especialmente em sua vida pessoal. As canções estão presentes, é claro - “Saudosa Maloca” e “Trem das Onze” são entoados em mais de uma ocasião - porém a preocupação do projeto não é inserir o biografado no cenário musical brasileiro, nem exatamente reclamar a importância de suas letras. O interesse se encontra nos causos de um malandro divertido, beberrão e mulherengo, cuja persona humorística se confunde com a personalidade por trás dos trejeitos.
Graças às tiradas e ao comportamento do próprio Adoniran, Meu Nome é João Rubinato adquire um ritmo leve, divertido. Adotando uma estrutura linear e convencional - uma sucessão de entrevistas e imagens de arquivo - o diretor Pedro Serrano resgata episódios cômicos na televisão, no cinema, nos bastidores das rádios. Conversa com familiares e amigos, sempre dispostos a revelar algum comportamento inesperado do músico nos shows e nos bares. Enquanto hino à malandragem, o resultado funciona, inclusive pela fusão da imagem de Adoniran na paisagem de São Paulo.
As eventuais contradições nos depoimentos se revelam interessantes para comprovar a existência de uma figura fictícia se sobrepondo à real. De acordo com o filme, Adoniran controlava muito bem sua própria imagem de bon vivant desleixado, despreocupado. A tese narrativa é de que, por trás do sujeito brincalhão, se escondia uma pessoa triste - a figura mítica do palhaço trágico. Talvez a ideia surja tarde demais no filme, com poucos elementos de gravidade para muitos de despretensão, mas contribuem para sugerir uma vertente multifacetada do artista.
A construção é prejudicada, no entanto, pela dependência excessiva do show and tell, ou seja, a articulação ilustrativa entre som e imagem. No caso, as imagens basicamente repetem o som: enquanto alguém fala da entrada de um prédio, a imagem mostra a entrada do tal prédio, quando citam a parte embaixo de um viaduto, vemos embaixo do viaduto. Fala-se de uma rua, e sua placa aparece na tela. Fala-se da “tristeza da condição humana”, e a imagem traz alguns mendigos anônimos. O filme poderia ter apenas o som, ou apenas a imagem, e seu discurso seria o mesmo: ambos coincidem sempre.
Ora, para a construção de uma personalidade múltipla, como sugerido para Adoniran, seria desejável a mínima exploração das potencialidades criativas do audiovisual. Mas Meu Nome é João Rubinato não possui grandes dissociações entre som e imagem, fricções de qualquer tipo na edição, metáforas construídas através da justaposição de cenas inesperadas. A orquestração é perfeitamente linear, ordenada por temas claros e óbvios (Adoniran cantor, Adoniran humorista, Adoniran ator etc.). O projeto fica refém de seu tema, incapaz de retirar ideias a partir dele. Aqui, Adoniran não é um meio, e sim o fim.
Desta maneira, o documentário explica Adoniran com didatismo e boa vontade. Serve como homenagem, felizmente sem idealização excessiva. É uma pena que seja tão domesticado em sua estrutura, tão inofensivo em sua abordagem. Não espere nenhuma reflexão sobre o blackface, sobre a decadência dos ícones no fim da vida, sobre o contraste entre arte popular e erudita, sobre a oposição Rio x São Paulo no que diz respeito ao samba, nem sobre a inserção política do malandro no imaginário nacional. O filme se contenta em mostrar Adoniran, falar de Adoniran, lembrar-se dele.