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    A Morte Te Dá Parabéns 2
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Morte Te Dá Parabéns 2

    Quebrando maldições

    por Renato Furtado

    Caem pacotes e mais pacotes de comida, latas de refrigerante e outros objetos não identificados quando Ryan (Phi Vu) abre a porta de seu carro-dormitório para tentar entrar novamente em seu quarto nos aposentos da faculdade, ocupado pelos apaixonados Tree (Jessica Rothe) e Carter (Israel Broussard). No entanto, assim que pisa no concreto da calçada, desvia de uma senhora com seu cachorro de estimação, de um skatista irritante e de um pedinte insano escondido em meio aos arbustos, o jovem cientista tem a certeza de que seu déjà vu não é irreal e que o seu dia acabou de recomeçar. De novo.

    Como toda boa sequência que se preze, A Morte Te Dá Parabéns 2 parte das fundações de seu predecessor para estabelecer os seus próprios alicerces seguindo o objetivo maior da cartilha das continuações hollywoodianas: entregar um produto que mantenha o interesse do público pelos personagens anteriormente apresentados — reconfortando, desse modo, as expectativas dos fãs ao investir na familiaridade, algo crucial no caso de uma franquia indie como A Morte Te Dá Parabéns —, ao mesmo tempo em que expande e dobra a aposta sobre os conceitos, ideias, piadas e dramas originais.

    Na frieza das letras, a missão pode aparentar simplicidade, mas a prática prova que, na grande maioria das vezes, as sequências são veículos desnecessários, produzidos com o único e exclusivo intuito de capitalizar sobre uma repetição desmotivada de temas, sem jamais avançar, de fato, a narrativa ou o mundo criado. E é justamente por causa do histórico, para além do êxito em si de sua empreitada, que A Morte Te Dá Parabéns 2, escrito pelo diretor Christopher Landon com base nos personagens assinados por Scott Lobdell, quebra a maldição das continuações malsucedidas com tanta propriedade.

    Assim como em De Volta para o Futuro 2, clássico oitentista que serve de referência à estrutura narrativa deste projeto do mesmo modo como Feitiço do Tempo, de 1993, norteou as explorações temáticas do primeiro longa, somente brincar com rupturas na continuidade espaço-temporal seria um desperdício. Por isso, o loop de A Morte Te Dá Parabéns é redefinido por contornos e motivações de ficção científica — a sequência perde em sustos, mas ganha em justificativas no que tange o eterno retorno da trama —, possibilitando o emprego da teoria de realidades paralelas através da racional plataforma da continuação.

    Enquanto é certamente interessante se deixar levar pelo aparente acaso sobre o qual a repetição do filme original parecia se basear, a lógica determinada por Landon abre espaço para que o roteiro não só amplie seu elenco de protagonistas — com os competentes Broussard, Vu, Ruby Modine e Rachel Matthews obtendo mais tempo de tela ao lado das boas adições de Suraj Sharma e Sarah Yarkin —, como também ofereça mais oportunidades para a carismática Rothe brilhar ainda mais em um cenário de desafios mais inteligentes e surpreendentes, que alteram nossas noções anteriormente concebidas acerca da franquia.

    Em outras palavras, A Morte Te Dá Parabéns 2 prova que um produto hollywoodiano pode ser popular e inteligente simultaneamente: o apelo à massificação não precisa ser igualado à ausência de intelecto. Citar Sísifo, nome da máquina de Ryan, é, portanto, uma ação deliberada e nada aleatória. Porque a referência ao mito do homem que precisa empurrar uma pedra ao topo de um monte para, na manhã seguinte, repetir a tarefa — base do ensaio filosófico de Albert Camus —, permite que Landon remixe as regras estipuladas pelo primeiro longa e, ainda assim, analise nossa relação com o destino e sua concepção.

    Por baixo de sua obsessão por máscaras de bebês — não é possível não notar que um símbolo da vida é utilizado para camuflar a morte nesta saga —, A Morte Te Dá Parabéns 2 está, sim, preocupado em entreter em seu roteiro ocasionalmente furado, mas também está claramente interessado em tecer um ou dois comentários sobre a natureza da arbitrariedade e, acima de tudo, acerca das consequências de nossos atos. Se somos livres para decidir o futuro através dos passos que damos, como parece argumentar A Morte Te Dá Parabéns, a questão agora é o que fazer com a responsabilidade pelos mesmos.

    Desse modo, o que é verdadeiramente atraente nesta franquia, assim como no cinema dos anos 80 — representado pelo diretamente mencionado De Volta para o Futuro 2 e por um quase subliminar cartaz de Eles Vivem, de John Carpenter —, é o tratamento pop da filosofia. Por mais que sejam breves e obviamente pouco escavadas, as ideias mencionadas anteriormente ajudam a tornar a diversão proporcionada pelo veloz e direto ao ponto A Morte Te Dá Parabéns 2 ainda mais palpável, conforme Tree e cia. precisam lutar cada vez mais contra o tempo e com os desdobramentos de suas escolhas.

    No fim das contas, A Morte Te Dá Parabéns 2 pode desconstruir quase tudo que foi solidificado por seu predecessor, mas há pelo menos um aspecto de A Morte Te Dá Parabéns que permanece intacto: sua constituição como fábula. Sim, as facadas e risadas e pitadas de terror, e os sustos e mortes espetaculares, são cativantes, mas são as lágrimas os elementos mais autênticos por causa da clara e inequívoca moral do longa: por mais que existam outras vidas possíveis em outros mundos, só é mesmo possível viver aquela que nos cabe, fazendo o máximo possível das alegrias e dissabores que pavimentam o caminho.

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