A atriz e o revolucionário
por Francisco RussoAstros de cinema sempre atraem holofotes, independente de onde estejam. Seus atos são esmiuçados mundo afora, seja pelos fãs - ainda mais na era das redes sociais - ou mesmo por jornalistas, sempre atentos a uma notícia em primeira mão. No próprio cinema não é diferente: inúmeros são os casos de filmes autorreferentes, que abordam a própria indústria cinematográfica e seus ícones. Seberg se encaixa neste caso, ao trazer um recorte específico da breve vida da atriz Jean Seberg, mais conhecida pelo clássico Acossado, dirigido por Jean-Luc Godard.
Entretanto, vale observar algumas particularidades que revelam muito do interesse do diretor Benedict Andrews nesta cinebiografia. Primeiro, em relação ao figurino. Há todo um trabalho de forma a apresentar Seberg de forma bem sensual, através de shorts curtos e blusas transparentes, mesmo quando o traje não combina muito com o local. A própria Kristen Stewart, intérprete da atriz, adota uma postura não de predadora, mas de símbolo consciente e à vontade com sua sexualidade. Entretanto, tudo isto é visto em cena mas jamais discutido de fato, como se não houvesse relevância um ícone do cinema assumir tal postura em plenos anos 60.
Situação parecida acontece com a breve menção aos atos de maio de 1968 na França, quando manifestações estudantis pediram mudanças na educação do país. Houvesse alguma apresentação conjuntural, ficaria mais claro ao espectador o porquê de Jean se empenhar tanto na causa dos Panteras Negras assim que conhece um de seus líderes, Hakim Jamal. Do jeito como o filme apresenta, fica a sensação de ter sido uma conexão muito mais decorrente do tesão de momento do que algo consciente, sobre a importância dos ideais do movimento. Ou seja, mais uma vez a atriz é diminuída diante do que pensa, em nome de uma mera sexualidade exibicionista.
Soma-se a isso a terceira, e mais relevante, observação acerca do filme. Por mais que tenha Jean Seberg como foco de atenção, o grande objetivo do filme é ressaltar a política de espionagem clandestina comandada por John Edgar Hoover, quando ainda era diretor do FBI, capaz de mentir e difamar para atingir seu objetivo. Ora, diante da escancarada violação dos direitos civis o ocorrido com a atriz tem até menor importância, por mais que seja também bastante grave. Transferir o foco da narrativa para si é também um meio de atrair a atenção do público, afinal de contas, astros de cinema atraem holofotes.
Dito isso, fica claro que Seberg possui problemas conceituais consideráveis, que o tornam mais superficial do que deveria ser. Ainda assim, merece destaque a boa atuação de Kristen Stewart, mais desenvolta que o habitual em papéis que lhe exigem sensualidade, por mais que ainda demonstre suas limitações como atriz quando a personagem entra em estado paranóico. Já Anthony Mackie tem uma função muito mais de postura, já que seu trabalho dentro dos Panteras Negras - e os próprios ideais e atos do grupo - não são desenvolvidos pelo filme. Pior ainda é o núcleo de investigação do FBI, composto por um Vince Vaughn vilanesco e uma subtrama muito mal construída envolvendo Jack O'Connell, espécie de consciência moral junto ao espectador.
Mal desenvolvido, Seberg mantém o interesse muito pela curiosidade acerca da atriz, conhecida nos anos 60 mas quase esquecida nos tempos atuais. Poderia ser um libelo em defesa à educação ou ainda à privacidade, em especial quem está exposto constantemente à mídia, mas estes são assuntos que não interessam ao filme. O foco é mesmo no glamour do cinema e na figura de uma grande estrela como protagonista, em cenas que ressaltam sua sensualidade, como se isto fosse suficiente para satisfazer o espectador.
Filme visto no Festival de Toronto, em setembro de 2019.