Maestro - 2023
"Maestro" é uma cinebiografia baseada na vida de Leonard Bernstein. O longa é uma produção distribuída pela Netflix e traz Bradley Cooper na direção, a partir de um roteiro que ele escreveu com Josh Singer (roteirista do oscarizado "Spotlight", de 2015).
Leonard Bernstein foi um maestro, compositor, pianista, educador musical, autor e humanitário americano. Considerado um dos maestros mais importantes do seu tempo, foi o primeiro maestro nascido nos Estados Unidos no século XX a receber reconhecimento internacional, ficando famoso na direção da Filarmônica de Nova York com suas composições, como o musical "West Side Story", "Candide" e "On the Town". Leonard foi um dos músicos mais prodigiosamente talentosos e bem-sucedidos da história musical americana. As homenagens e elogios de Leonard incluem sete prêmios Emmy, dois prêmios Tony, 16 prêmios Grammy (incluindo o prêmio pelo conjunto de sua obra), bem como uma indicação ao Oscar.
Dito isto: O filme gira em torno do relacionamento entre Leonard Bernstein (Bradley Cooper) e sua esposa costarriquenha Felicia Montealegre (Carey Mulligan).
Originalmente "Maestro" seria dirigido por Martin Scorsese ou Steven Spielberg, porém, ambos os diretores estavam ocupados com outras produções e a direção da cinebiografia ficou à cargo de Bradley Cooper. Porém, ainda assim tanto o Scorsese quanto o Spielberg colaboraram na produção do longa. Cooper é um excelente ator, que já havia participado da produção de outros filmes ao longo de sua carreira, porém, como roteirista e diretor, este é seu segundo filme (o primeiro foi "Nasce Uma Estrela", de 2018).
"Maestro" é a nova aposta da Netflix para a temporada de premiações e principalmente o Oscar. Sem querer desmerecer toda produção e todas as qualidades do filme, mas temos aqui aquele famoso "Oscar bait". "Maestro" é aquele típico filme biográfico que traz uma personalidade renomada do passado da história da música norte americana, que tenta nos mostrar como aquela figura foi importante para o contexto histórico, como foi a sua participação e o seu peso sendo um gênio da arte. Todavia, ser considerado como um "Oscar bait" não é necessariamente ruim, afinal de contas durante todas as temporadas sempre temos aqueles casos dos famosos "Oscar bait", e que às vezes dão certo às vezes dão errado, e nem sempre atingem a sua principal finalidade dentro da temporada de premiações. Na temporada passada tivemos o caso de "Tar" (Todd Field) como sendo a figura do "Oscar bait", e que saiu da cerimonia do Oscar sem levar nenhum dos principais prêmios, incluindo a própria Cate Blanchett, que estava cotadíssima a levar mais uma estatueta.
Filmes biográficos na maioria das vezes são muito complicados de serem escritos e dirigidos. Consequentemente a procura e o interesse do público é menor se comparado a outros tipos de produções cinematográficas, principalmente no Brasil, quando a história é baseada em uma personalidade norte americana. No meu caso, eu conheço pouquíssimo da vida e obra de Leonard Bernstein.
"Maestro" traz uma narrativa com uma série de acontecimentos que permeia toda a história que vai sendo contada gradativamente com o passar do tempo e de cada década na vida do Leonard e da Felicia. Temos aqui aquele clássico romance biográfico que é uma história de amor imponente e destemida, porém bastante complexa. O longa começa nos anos 40 e nos traz já de cara uma filmagem em preto e branco, que a princípio dita bastante o ritmo da história que vai se desenvolvendo. Um ponto muito curioso que eu observei com o passar do filme, é o fato de "Maestro" ser considerado como uma cinebiografia porém sem um aprofundamento somente na vida e obra de Leonard Bernstein. Ou seja, não é um roteiro que necessariamente vai abordar somente a vida do músico, já que aqui a própria música não é o foco, pois o foco em si é toda complexidade por trás da vida de Leonard, isso envolvendo a sua vida, a sua orientação sexual e principalmente o seu casamento com a Felicia Montealegre.
"Maestro" traz o foco maior no desenvolvimento e construção do relacionamento entre Leonard e Felicia, onde temos um começo com uma paixão arrebatadora, até seu casamento e o começo das crises. Não sei se essa era a principal opção de abordagem do roteiro de Cooper e Singer, já que fica mais do que claro que a narrativa não é inteiramente sobre a vida e obra de Leonard, pois tudo isso fica em segundo plano e é até usado como um pano de fundo para nos mergulhar na complexidade do seu relacionamento. Fato é que o roteiro se divide em duas partes, em duas abordagens que se conversam entre si fazendo uma ligação maior no final. Inicialmente temos as surpresas, as descobertas, os interesses sendo posto à prova por parte de Leonard, já que ele está se autodescobrindo nesse mundo musical, onde ele ganha oportunidades muito importantes para a sua carreira. E é nessa primeira parte do filme que ele conhece a Felicia e desperta o seu interesse amoroso.
Na segunda parte do filme já temos uma filmagem a cores, representando a vida do Maestro naquele momento. Aqui o roteiro avança e traz um novo fôlego para a história, já que o foco maior é em torno do relacionamento entre Leonard e Felicia, que naquele momento já estava bastante conturbado. Nessa parte o drama já está mais estabelecido na trama, o que logo faz um contraponto com a frustração do casal, principalmente pelo lado da Felicia, que passa a contar com suas frustrações pessoais pelo o momento do seu casamento e pela descoberta de que Leonard era gay (ou bissexual). Claramente esta segunda parte do filme é mais interessante do que a primeira, e muito pela sua mudança de ritmo, de tom, inserindo uma dramaticidade ainda maior em toda a história.
"Maestro" é aquele típico caso do filme que se segura mais pelas atuações dos seus protagonistas do que propriamente pela a sua história como um todo. E isso é muito bem sentido, já que o Bradley Cooper e a Carey Mulligan são o coração do filme. Na primeira parte ambos constroem seus personagens com bastante harmonia e bastante química, o que logo se torna bastante funcional para a história caminhar a partir dali. Na segunda parte é onde os dois brilham ainda mais, é onde o roteiro abre mais espaço e dá mais margem para o desenvolvimento de seus personagens.
Bradley Cooper atua com a alma e com o coração na pele do Leonard, e isso é bem sentido em cada cena onde ele se esforça cada vez mais para representar com fidelidade a sua personalidade. Está muito claro que Cooper estudou fervorosamente a vida de Leonard para compor a sua interpretação, e isso é sentido pelos seus trejeitos, pela sua faceta, por seus gestos, por suas expressões, pela sua grande entrega, pela sua forma de se portar, de comandar, de orquestrar, de reger. Aquela cena do concerto, onde ele dá tudo de si, é uma entrega absurda, chegando ao seu limite físico e mental. Uma cena belíssima. Ou seja, Cooper mais uma vez entrega uma baita atuação e que com certeza será lembrada nos festivais de premiações cinematográficas e principalmente no Oscar.
Já a Carey Mulligan é dona da melhor atuação do filme, até mais que o próprio Cooper. Carey personifica com uma extrema competência e elegância toda história e vida da Felicia Montealegre, incorporando todas as suas alegrias, todas as suas descobertas, a sua paixão arrebatadora e abraçando com muita dignidade a sua dor e todo o seu drama. Carey traz a veia de uma personagem que se mostra forte, aguerrida, decidida, porém vulnerável, frágil, principalmente pela construção e desenvolvimento do seu relacionamento. Outro ponto da atuação da Carey Mulligan está exatamente no impacto das suas cenas mais dramáticas, onde é justamente onde sua interpretação sobe ainda mais de nível. Posso citar inúmeras cenas em que ela nos surpreende: como a cena que ela descobre a infidelidade de Leonard e seus casos com outros homens. A cena em que ela julga que o Leonard não tinha amor próprio, sendo ele um dos pivôs da briga no casamento e que ele iria morrer como um velho gay solitário. A cena do consultório médico, quando é descoberto o seu câncer no seio. É uma cena comovente e dramática, onde a partir dali o clima do filme fica mais tenso e mais carregado. Belíssimo trabalho entregue pela Carey Mulligan, que também vai lhe render inúmeras indicações.
Outro ponto que surpreende na dupla Bradley Cooper e Carey Mulligan, é toda a caracterização que ambos se submeteram para trazer ainda mais fidelidade na obra. E aqui já entrando nas partes técnicas e artística do longa; temos um trabalho de maquiagem e caracterização completamente impecável, que traz uma identificação fiel com as personalidades reais de ambos. Eu diria que na segunda parte do filme é onde a caracterização se sobressai ainda mais, principalmente pela representação do casal já idoso e de uma Felicia enferma. Criou-se uma grande polêmica sobre a prótese de nariz que o Bradley Cooper teve que usar em sua caracterização de Leonard Bernstein, e isso tomou uma proporção até inimaginável. Na minha opinião o Cooper fez um ótimo trabalho de transformação e caracterização, por mais que realmente vê-lo em cena atuando com aquela prótese de nariz tenha ficado uma tanto quanto estranho na primeira visão, mas com o passar do filme a gente vai se acostumando.
Sobre a direção de Bradley Cooper:
Tecnicamente ele faz um trabalho muito bom, muito digno com a representação da cinebiografia da obra, onde ele sabe como usar a câmera com seus takes, onde ele valoriza as interpretações, as metáforas visuais e os planos-sequência. A cinematografia da obra é bem ajustada e trabalha em harmonia, tanto com a direção quanto com a fotografia. A direção de arte é outro ponto que vale a pena destacar, pois a mesma é muito bem montada, muito bem executada nos padrões de cada década, representando com bastante fidelidade cada cenário da obra em que estava sendo rodada. A trilha sonora foi bem escolhida pelo próprio Bradley Cooper, onde ele decidiu quais composições de Leonard seria usada no filme e as mesmas foram executadas pela Orquestra Sinfônica de Londres. Tecnicamente "Maestro" se destaca na temporada.
"Maestro" foi indicado ao Leão de Ouro no 80º Festival Internacional de Cinema de Veneza. Também foi indicado a quatro Globos de Ouro, oito Critics Choice Awards e dois Sag's Awards. Embora a Netflix não divulgue publicamente o faturamento de bilheteria, a IndieWire estimou que o filme arrecadou cerca de US$ 200.000 em oito cinemas em seu fim de semana de estreia (e um total de US$ 300.000 no período de cinco dias do Dia de Ação de Graças), o que o tornaria a estreia de maior sucesso para a empresa desde pelo menos 2019.
Pontuando os principais pontos negativos do longa-metragem:
Cinebiografias tendem a serem caracterizadas pela emoção, pela intensidade, pelo entusiasmo, até por retratar partes da vida de uma figura real. E é justamente o que falta em "Maestro", falta intensidade, falta entusiasmo, falta emoção, e nem é falando propriamente das partes mais dramáticas envolvendo os acontecimentos que permeia o final da obra. Acredito que a opção do roteiro em não destacar uma biografia mais aprofundada da personalidade de Leonard Bernstein deixa a obra menos realista, pois para quem não conhece a sua história vai ficar perdido em certas partes da trama, isso incluindo a falta de informações sobre sua vida pessoal, profissional e principalmente sobre a sua bissexualidade.
Este é um ponto que no meu conceito pesa negativamente no filme, justamente uma abordagem mais aprofundada em seus dilemas, em seus traumas e em sua bissexualidade, pois eu acredito que agregaria ainda mais no contexto da obra. Todo drama do relacionamento entre Leonard e Felicia é bem desenvolvido até onde consegue chegar na trama, mas também falta emoção, principalmente para nos fazer sentir realmente todo o drama e toda a emoção vivida pelo casal por tudo que eles estavam enfrentando naquele momento de suas vidas.
Por fim:
"Maestro" é um bom filme biográfico até onde consegue ir e nos atingir com a sua mensagem em torno de uma visão geral da vida de Leonard Bernstein. Mas por outro lado falta imersão principalmente no relacionamento do casal. Além de faltar mais informações de quem foi o gênio em seu principal território, que era os palcos musicais. Fica a impressão que o principal objetivo do longa-metragem não era nos mostrar quem verdadeiramente foi Leonard Bernstein enquanto um renomado Maestro, mas sim abordar a sua vida conturbada com sua esposa, mostrar os seus conflitos, suas contradições, seus dilemas pessoais e superficialmente abordar a complexidade de sua bissexualidade. No fim, quem não conheceu a história de quem foi Leonard Bernstein, ao fim da sessão continuará com a impressão de que ainda não conhece todo o seu talento e principalmente o seu legado.