Os conflitos por trás de um maestro
por Bruno BotelhoBradley Cooper é um nome muito conhecido em Hollywood desde Se Beber, Não Case! e nos últimos anos começou a se desafiar em outras áreas além da atuação, principalmente como produtor e também diretor. Ele estreou na direção com sucesso em Nasce uma Estrela (2018), estrelado por Lady Gaga, e agora parte para novos desafios com Maestro, cinebiografia da Netflix sobre o compositor, e pianista Leonard Bernstein.
Em Maestro, é narrado o relacionamento e história de amor de uma vida toda entre Leonard Bernstein (Bradley Cooper) e Felicia Montealegre Cohn Bernstein (Carey Mulligan). Uma carta de amor à vida e à arte, Maestro é, essencialmente, um retrato grandioso e emocionante de família e amor.
Se você não conhece Leonard Bernstein, vale uma breve introdução sobre o retratado no filme. Ele foi um maestro, compositor, músico e pianista que comandou a Orquestra Filarmônica de Nova York durante 18 anos, se consagrando como um dos músicos mais importantes dos Estados Unidos, e ficou conhecido pelas suas composições em aclamados musicais da Broadway. Esse é o caso de West Side Story, que foi adaptado para o cinema no clássico Amor, Sublime Amor (1961) e na versão de Steven Spielberg em 2021.
Cinebiografias não são nenhuma novidade em Hollywood, mas Maestro de Bradley Cooper traz uma abordagem menos padrão para a história de vida e carreira de Leonard Bernstein, funcionando como crônicas, voltadas mais para seu relacionamento de décadas com Felicia Montealegre. Por isso, é importante deixar claro que Maestro não está interessado em esmiuçar a biografia de Leonard Bernstein em detalhes para quem não o conhece – o que pode deixar muita gente perdida.
Na realidade, a música de Bernstein fica em segundo plano e o foco está completamente na personalidade por trás da figura icônica e suas contradições, com recorte voltado especialmente para seu casamento com Felicia. Isso fica claro logo na cena inicial do filme, onde o protagonista interpretado por Bradley Cooper aparece idoso relembrando sua vida com a personagem de Carey Mulligan após sua morte por câncer.
Mesmo assim, os momentos musicais estão entre os melhores da produção, especialmente quando Leonard está regendo uma orquestra pela completa sintonia entre atuação e direção de Cooper.
Maestro pode ser dividido em duas partes, uma de descobertas e outra de amadurecimento/crises. A primeira delas, em preto e branco, se passa na década de 40, quando o novato regente assistente Leonard Bernstein recebe a oportunidade de comandar a Orquestra Filarmônica de Nova York depois que seu maestro fica doente, além de conhecer e começar seu relacionamento com Felicia. Já a segunda parte do filme, em cores, foca nas décadas seguintes do relacionamento do casal e seus altos e baixos, especialmente com a frustração de Felicia pela infidelidade de Leonard e seus casos com outros homens.
Desta forma, o filme não apenas tem um recorte claro de diferentes momentos da vida e carreira de Leonard Bernstein e seus relacionamentos ao longo de 2 horas e 9 minutos, mas também uma mudança no tom narrativo. Maestro é mais empolgante e, consequentemente, Bradley Cooper (que co-escreveu o roteiro com Josh Singer) mais criativo na direção, na primeira parte. Toda a excitação na vida profissional e pessoal do protagonista é refletida na fluidez com que Cooper passeia com a câmera, enquanto a fotografia e direção de arte refletem bem esse período.
Por outro lado, a segunda parte do filme retoma as cores, assim como abraça completamente o drama do relacionamento entre Leonard Bernstein e Felicia Montealegre. Por mais que perca um pouco da força, é justamente quando as performances de Bradley Cooper e Carey Mulligan têm mais espaço para brilhar. Cooper consegue passar ao público a força da natureza que é Bernstein, enquanto Mulligan é o coração da trama com uma Felicia ao mesmo tempo forte e fragilizada pelo seu relacionamento com o protagonista. Outro elemento fundamental é a caracterização da dupla, que está idêntica aos retratados na vida real.
Maestro é a principal aposta da Netflix para a temporada de premiações, então o filme não decepciona tecnicamente. Maquiagem, figurino, fotografia e direção de arte estão deslumbrantes e recriam perfeitamente não apenas a época mostrada, mas os personagens principais. Tanto que Bradley Cooper passou por uma verdadeira transformação para interpretar Leonard Bernstein, que envolveu horas de maquiagem e uso de próteses. Inclusive, a prótese no nariz utilizada por Cooper na produção causou polêmica, com acusações de que ela estaria reforçando um estereótipo racista anti-semita.
O principal problema de Maestro está em suas próprias intenções de ser um estudo de personagem. A decisão de deixar de lado muitas informações sobre a vida profissional de Leonard não ajuda na construção do protagonista, pois sempre passa a sensação de que falta algo, ainda mais quando temas de sua vida privada como sexualidade (bissexualidade) e seu relacionamento com Felicia não são aprofundados da maneira necessária.
Os dilemas entre o casal e o segredo compartilhado entre os dois são parte fundamental da relação entre os protagonistas, mas a produção não vai além de mostrar os casos de infelidade de Leonard, quase como um gênio atormentado, e frustração de Felicia. Ambos são bem mais complexos do que isso, o personagem de Bradley Cooper lidando com sua sexualidade, tentando balancear sua vida artística e amorosa, enquanto a personagem de Carey Mulligan, uma atriz, sofre vivendo na sombra dele e com seus relacionamentos, ainda que tenta se manter forte para manter o casamento e aceitar as situações.
Isso acaba sendo uma experiência um tanto quanto frustrante, principalmente por não conseguir se aprofundar no retrato e recorte que ele mesmo propõe. São contradições e complexidades apresentadas, mas sem uma discussão além da superfície para entendermos melhor as personalidades e problemas dos personagens. No final das contas, não entendemos completamente o gênio artístico que foi Leonard Bernstein ao longo de Maestro, nem mesmo as nuances que envolvem sua vida pessoal.
Maestro é uma biografia não tão convencional como a maioria e, por isso mesmo, não vai agradar todo mundo já que não se propõe a contar a história da carreira artística de Leonard Bernstein nos mínimos detalhes. Uma decisão, no mínimo, ousada e estranha. Na realidade, o filme está interessado em os conflitos por trás do gênio musical, focando em seu relacionamento com Felicia Montealegre.
Liderado por fortes atuações de Bradley Cooper e Carey Mulligan, Maestro não é um estudo de personagem tão forte e complexo como pretende ser, mas consegue apresentar uma interessante visão sobre as contradições de um artista entre a vida pessoal e profissional. Além disso, ainda chama atenção tecnicamente com sua reconstrução de diferentes períodos da vida de Bernstein e sua caracterização.
*O AdoroCinema assistiu ao filme durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.