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    Climax
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Climax

    Transe coletivo

    por Bruno Carmelo

    Ao invés de abordar este filme por sua sinopse, sua “história”, talvez seja mais importante precisar que a linha narrativa importa pouco ao projeto. Basicamente, temos um grupo de artistas dançando, bebendo e conversando - algo que poderia soar insuficiente a um longa-metragem - mas o diretor Gaspar Noé está mais interessado no registro das sensações do grupo e na experiência singular que pode oferecer ao espectador. Ou seja, o público não é convidado a acompanhar uma temporalidade e uma finalidade precisas (a obra não tem “nada a dizer” no sentido corriqueiro do termo), e sim compartilhar com os atores-dançarinos a vivência de 90 minutos de música e uso de substâncias que induzem à perda de controle.

    O caráter imersivo de Climax se contrói através da sobreposição de estímulos visuais e sonoros: as cores fortes, a música quase ininterrupta, as conversas, gritos e choros, o cenário de paredes descascadas, sofás, escadas, palcos. Estamos fechados num único cenário, durante uma noite apenas, presenciando o desgaste físico e emocional dos personagens: primeiro, pela dança, depois, pelo álcool, e em seguida por uma paranoia desesperadora, quando acreditam ter sido drogados. Estas mudanças acontecem em blocos sucessivos, porém em instantes simultâneos: os bailarinos vibram juntos, ficam sexualmente excitados juntos, curtem a embriaguez juntos e por fim embarcam na paranoia autodestrutiva juntos.

    Melhor do que um retrato sobre a arte, talvez este seja um olhar ao alter-ego de grupo, ao modo como coletividades reagem de maneira muito distinta ao comportamento de cada indivíduo. Em outras palavras, o conjunto é diferente da soma das partes. Pelo senso de união entre os 23 personagens, surpreende o modo como Noé consegue delinear a personalidade de cada um, seus impulsos e desejos, além de um estilo de dança preciso. Pelo movimento dos corpos e pelos diálogos esparsos sobre sexo, família e mortalidade, desenha-se uma juventude francesa tão intensa quanto inconsequente.

    Sofia Boutella, atriz e dançarina, se revela confortável na evolução catastrófica de sua personagem durante a festa, e o mesmo pode ser dito dos dançarinos com quem interage. Climax combina diálogos realistas e improvisados (sobre aborto, sexo anal, música, amor) com uma coreografia precisa da câmera, sobrevoando os personagens e se esgueirando entre os corpos. É impressionante a destreza com que o diretor filma as cenas de dança, tanto de modo frontal quanto em planos aéreos, oferecendo formas e volumes singulares. As cenas de dança são vibrantes, como se os personagens se apresentassem diretamente ao público - afinal, não há mais ninguém no galpão além dos artistas para observá-los.

    Aos poucos, o passeio frenético da câmera em meio à luz forte das lâmpadas nos corredores cria formas abstratas, fusões indistintas de braços e pernas, torsos e nádegas. O sexo se mistura com vômito, com o desespero de uma personagem ou a tristeza de outro. Os tabus clássicos (incesto, homossexualidade, drogas, escatologia) são somados, triturados e despejados em cena, sem que o diretor emita qualquer forma de discurso político acerca desses temas. Talvez este seja o aspecto mais perturbador dos filmes de Noé, para além da habitual violência: sua amoralidade, como se observasse atos extremos sem qualquer responsabilidade por sua causa ou consequências.

    Não seria errado dizer que Noé se excede, apela ou busca o choque gratuito - a diferença se encontra no ponto em que cada espectador traça os limites do bom gosto. Mesmo assim, o cineasta se mantém coerente à estética do delírio e à celebração do caos. Desta vez, acrescenta uma interessante metáfora da prisão e da liberdade, quando os dançarinos entorpecidos não conseguem fugir do galpão e voltam, inevitavelmente, à cena onde acontecem todas as atrocidades. Este primo mais jovem de O Anjo Exterminador troca a burguesia de Buñuel pela juventude, substitui o social pelo pessoal, o político pelo estético. No entanto, conserva o prazer de observar grupos homogêneos se digladiando para o prazer perverso do espectador.

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