Crise de identidade
por Rafael FelizardoEm 1992, Robert Rodriguez deu à luz O Mariachi, um longa-metragem cheio de personalidade que serviu para apresentar seu cartão de visitas à indústria cinematográfica. Após debutar na grande Hollywood com os dois pés na porta, o diretor mostrou que a produção lançada não foi sorte de principiante, entregando, nos anos seguintes, clássicos como Um Drink no Inferno, Era Uma Vez no México, Planeta Terror e mais.
Hoje, mais de 30 anos depois, o cineasta se coloca, novamente, sob os glamourosos holofotes californianos, agora, com Hypnotic - Ameaça Invisível, uma obra que, ouso dizer, configura a latente crise de identidade de um diretor que há muito se perdeu na carreira.
Na trama, o detetive Danny Rourke (Ben Affleck) se envolve na investigação de um caso complexo originado por uma série de roubos em larga escala. No decorrer da busca, Rourke descobre que sua filha – que está desaparecida – pode estar conectada aos delitos de alguma forma. Assim, além da pressão para realizar o trabalho, o policial ainda precisa lidar com um misterioso homem capaz de distorcer a realidade, necessitando confrontar seu próprio passado se quiser chegar à raiz de tudo o que está acontecendo.
Dito isso, a impressão que fica é que Rodriguez parece não saber aonde quer chegar. Se em décadas passadas suas obras eram facilmente identificáveis, deixando rastros notáveis de assinatura, de um tempo para cá, tais características se dissolveram, restando produções duvidosas e que pouco conversam com o espectador. Em Hypnotic, podemos assistir ao cineasta se apoiar nos maneirismos de Christopher Nolan para tentar construir o próprio enredo – influenciado por elementos visuais e narrativos de A Origem e Amnésia, mas, infelizmente, sem a mesma solidez dos filmes citados.
Se Nolan provou ser capaz de extrair o máximo de seus plot twists, Hypnotic, narrativamente, começa pecando por aí. Um dos problemas do longa é que ele parece ter sido originado por um pensamento em torno de “vou construir um filme centrado em plot twists”, visto o tamanho esforço que faz para surpreender o espectador em inúmeras oportunidades.
Com um roteiro superficial, o foco da produção reside primariamente em apostar nas reviravoltas (isso mesmo, no plural) para impactar a quem a assiste, enfraquecendo, assim, a essência do conceito de plot twist, ao mesmo tempo que só não se torna cansativo pois tem apenas uma hora e meia de tela. Se pararmos para comparar, Nolan precisou de quase uma hora a mais para fazer A Origem funcionar perfeitamente, um tempo precioso que certamente fez falta para Hypnotic construir mais.
Além disso, com frequentes inserções de novos insights em meio a trama, a obra de Rodriguez pode deixar o espectador com a sensação de assistir a mais de um filme ali dentro, apresentando tantas explicações para uma mesma situação que, sinceramente, soa desgastante.
Em um filme estrelado por Ben Affleck, Alice Braga e William Fichtner, nem mesmo seus talentos foram suficientes para elevar o nível. Quem olha para o elenco pode ficar tentado a esperar algo grande, mas, no fim, o apresentado são atuações que beiram a canastrice, fazendo lembrar aquelas enlatadas séries policiais dos anos 1990.
Recém-saído do excelente Air: A História por Trás do Logo, Affleck, aqui, parece sempre perdido, formando junto a Braga um casal sem química que não brilha o suficiente para cativar a empatia do espectador mesmo em momentos de adversidade.
Tal problema poderia ter sido, em parte, resolvido se o roteiro desenvolvesse mais o âmbito emocional da história para dar sustentação aos dois, mas, como dito anteriormente, a quantidade de elementos apresentados e o curto espaço de tempo impossibilita qualquer tentativa do gênero.
Apesar do revés, o longa-metragem também conta com pequenas vitórias. A produção apresenta algumas sequências de ação intrigantes, certamente responsáveis por entreter a audiência por um espaço de tempo. Além disso, a trilha sonora composta por Rebel Rodriguez, filho do diretor, convence, mesmo que seja ofuscada pela previsibilidade de determinadas cenas.
Da mesma forma, também é confortante saber que o talento de Rodriguez se sobressai em algumas tomadas, seja quando ele brinca com diferentes esquemas de iluminação e estilos de cores distintos ou quando ele aposta em elementos sensoriais – visuais e auditivos – da trama para passar alguma mensagem.
Para os saudosistas, Hypnotic também pode ser considerado uma nostálgica viagem ao passado, misturando um enredo que teria espaço cativo nos anos 2000, um diálogo cru característico dos 1990 e uma estética que por vezes tenta reproduzir o estilo noir da década de 1940.
Criticar – aqui, no sentido de falar mal – um filme de Robert Rodriguez, para mim, é um duro golpe. Cresci enxergando no cineasta uma das figuras mais notáveis de Hollywood, e fui (sou?) apaixonado por sua direção desde que comecei a gostar da sétima arte.
Desta forma, me dói assumir que Hypnotic fracassa. Lançado em 12 de maio nos Estados Unidos, não à toa, o filme apresentou um desempenho desapontante em termos de bilheteria, angariando meros 12 milhões de dólares, um valor que não chega nem perto de pagar os 65 milhões de investimento.
Observando a narrativa, o que temos é uma produção corrida, ancorada em conveniências de roteiro e frases de efeito que dão a impressão de datada, desperdiçando grandes talentos de Hollywood ao mesmo tempo em que não consegue se sustentar em seu breve tempo de tela.
Além disso, a insistência em plot twists amplamente artificiais também atrapalha, criando um cenário insosso que quebra com a empatia do público junto às principais figuras apresentadas.
E se durante uma entrevista para o Collider, no primeiro semestre do ano, Robert Rodriguez chamou sua obra de um “filme de Hitchcock com esteróides”, pode ser que, aqui, vemos apenas os efeitos adversos do hormônio, levando a uma falta de potência que claramente não passa batida.