Compondo com Ed Sheeran
por Bruno CarmeloO lançamento de um documentário sobre Ed Sheeran soa como uma iniciativa oportuna e oportunista. O projeto dirigido por Murray Cummings terá um público cativo, no caso, os inúmeros fãs do cantor, podendo se limitar a reforçar os traços mais adorados da personalidade do artista e relembrar suas principais canções. De certo modo, Songwriter oferece exatamente isso: um produto derivado, de poucos riscos, a partir de uma marca popular. Mesmo assim, alguns elementos fazem com que o resultado se sobressaia às suas modestas ambições cinematográficas.
Primeiro, o diretor é primo de Ed Sheeran, e muito próximo deste. Cummings tem o hábito de gravar vídeos do primo desde que eram crianças, então a intimidade com o cantor e outros colaboradores é evidente. Isso permite que ninguém se sinta incomodado com a presença da câmera. As interações soam espontâneas, incluindo diversas brincadeiras descontraídas entre Ed Sheeran e seu produtor e seus outros compositores. O clima de amizade quase infantil entre esses profissionais aproxima o clima de uma reportagem da MTV, dando a impressão de que qualquer jovem vestindo roupas rasgadas e andando de chinelos em sua casa pode se tornar uma estrela. O sentimento de identificação oferecido é evidente.
Segundo, o documentário evita temas sem conexão direta com à música. Compreendemos o papel da família e da noiva na vida do cantor, mas não o seguimos em suas viagens pessoais, nem conhecemos o seu modo de vida. Ed Sheeran sustenta a aparência de uma vida comum, sem apostar na ideia de ascensão social – ele permanece acessível diante das câmeras. O interesse de Cummings se encontra no processo criativo das canções do último álbum, “÷”, registrando desde a concepção das letras até as gravações, alterações, mixagens e apresentações. Os fãs devem se divertir ao descobrirem que a famosa “Love Yourself” quase se chamou “Fuck Yourself”, além de testemunharem o momento exato em que nascem as letras de “Galway Girl”.
Deste modo, Songwriter demonstra um interesse profissional em Ed Sheeran, considerando a evolução das canções interessante o suficiente para sustentar o filme inteiro. Imagens muito breves da infância do cantor são citadas apenas para comprovar os seus conhecimentos musicais e a maneira orgânica como a arte tomou parte de sua vida. O documentário é marcado por um otimismo vibrante, o que acaba por eliminar qualquer eventual conflito neste percurso. Julgando pelas imagens do projeto, Ed Sheeran jamais briga com nenhum de seus colaboradores, as músicas são criadas em ritmo de brincadeira fraterna, e todas as decisões artísticas emanam dele, embora tenha dezenas de colaboradores muito experientes ao redor.
Mesmo sem uma idealização moral de Ed Sheeran, ele ainda é visto como figura centralizadora e mais talentosa do que as demais. O espírito competitivo do cantor, que pretende “superar o número de vendas de Adele”, contagia o filme como um todo. É uma pena que importantes questões mercadológicas sejam ignoradas: a câmera não é autorizada a filmar uma reunião com os executivos da Warner, e assim que sugere a existência de uma pressão por parte das gravadoras para “reproduzir o hit do álbum passado”, Sheeran insiste que isso jamais aconteceu com ele. Songwriter se conclui como uma obra competente, apesar de alguns problemas com a captação de som direto, e dotado de foco preciso no trabalho criativo de seu protagonista. Talvez seja ingênuo ao retirar a criação pop do âmbito industrial, mas ainda fornece a visão de uma arte potencialmente acessível a todos – inclusive o espectador.
Filme visto no 68º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.